sobre reconhecer e lembrar

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Ninguém sabia o que esperar no dia seguinte de trabalho, mas ninguém estava preparado para a mudança do paranaense. Ele voltou como se nunca tivesse ignorado Rio Grande do Sul, como se o que ocorreu no dia anterior não passasse de um delírio coletivo. Paraná chegou com seu sorrisinho de lado, comentando como Nana sempre parecia em paz logo cedo.

Isso acendeu um alerta na mente dos que sabiam sobre a existência de um ex, ou seja, Minas, Rio, São Paulo e Rio Grande do Sul. Contudo, nenhum deles falou ou fez algo. Eles apenas agiram como sempre com o paranaense, menos o gaúcho, que não o provocou uma única vez.

Para a grande maioria, inclusive Paraná, ele só estava sendo birrento. Na verdade, ele só não sabia o que falar para o paranaense, ou como falar. Ele passou a noite inteira pensando no que tinha ouvido, tentando processar as informações e se resolvendo consigo mesmo. Também tentou pensar em como poderia falar normalmente com Paraná, mas nenhuma ideia lhe veio à mente. Então, durante toda manhã de trabalho, ele teve seu foco dividido entre o serviço e em como iniciar um diálogo com Paraná.

O resultado foi que somente no horário de almoço que Rio Grande do Sul foi capaz de se decidir e enfrentar Paraná. Antes que o moreno saísse para comer, o gaúcho o "encurralou" em sua mesa, segurando sua cadeira giratória com uma mão. Os olhos castanho-escuros encaravam os mais claros com confusão e uma pitada de algo a mais que Rio Grande do Sul não conseguia entender.

Sem desviar o olhar, Paraná ergueu o queixo, como se desafiasse o mais alto. Era uma cena interessante de se ver por fora, porque o paranaense estava sentado e o gaúcho tinha uma mão no encosto da cadeira, ambos se encarando. Se ninguém soubesse melhor, diriam que estavam prestes a se beijar.

- Dá pra dar licença, chupa-mate? Tô querendo, tipo, almoçar - Paraná disse sarcástico, o canto de seu lábio se curvando um pouco para cima.

Rio Grande do Sul estreitou os olhos e respirou fundo, pronto para retrucar, mas parou assim que abriu a boca. Ele esperou, franziu o cenho e suspirou. Vendo isso, Paraná ficou ainda mais confuso e, talvez, um pouco desconfortável por perceber a proximidade que estavam. O menor, por algum motivo, engoliu em seco. Seus olhos analisaram, sem sua permissão, todo rosto do gaúcho. Desde seus olhos castanhos, até a ponte de seu nariz, sua barba e seus lábios.

- Posso falar contigo? - Rio Grande do Sul perguntou em voz baixa e Paraná piscou, voltando o olhar para a face do outro, não para a boca especificamente.

- ... Pode? - Paraná respondeu hesitante.

Não era comum aquele tom vindo do loiro, fora que ele raramente pedia para falar com Paraná. Eles só começavam a conversar como duas pessoas normais - na medida do possível, afinal eram PR e RS. No entanto, esse pedido pareceu que seria algo sério, deixando o menor bastante apreensivo.

"Ele não vai dar piti sobre o prazo de novo, né?" o paranaense pensou e só isso já o fez ficar cabisbaixo. Normalmente esse tipo de coisa não teria tanto efeito sobre si, mas os últimos dias estavam sendo... Não muito bons. O completo oposto, na verdade.

Os olhos escuros brilharam por um instante e um desespero surgiu no peito do gaúcho, que não teve escolha para enrolar mais.

- Olha... Tu me desculpa por ontem? - a voz grave do Rio Grande do Sul soou com hesitação e com uma certa rouquidão. A mão na cadeira forçou mais o aperto, ao ponto do móvel tremer um pouco.

- Que? - Paraná perguntou, incerto sobre ter ouvido direito.

- Me desculpa por ontem? Exagerei e descontei tudo em ti, então me desculpa? - o gaúcho repetiu, mais confiante dessa vez, e olhou fixamente para os olhos do paranaense. Ele quase podia ver seu próprio reflexo naquela imensidão escura e tentadora.

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