Você não está doente (5)

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O garoto chorava sozinho no canto do quarto escuro, no andar de baixo apenas gritaria, louça se quebrando, estilhaços que com certeza estavam na cozinha eram ouvidos, mas o digo com toda a certeza, nada naquela casa estava mais quebrada do que a mente da pobre criança.

Tinha doze anos, seus pais decidiram que um jantar de domingo seria ótimo para iniciar a semana, realmente, a ideia não foi de todo o mau, porém, no meio do jantar seu irmão decidiu anunciar algo, algo que mudaria completamente o desenvolvimento e o tratamento daquela família tão feliz..

"Eu gosto de garotos"

Foi o que ele disse, tão determinado que ninguém ousou questionar se ele falava realmente sério, seu pai no mesmo momento o mandou subir, assim que o obedeceu a gritaria começou, na época não entendia o que estava acontecendo, mas lembra que um tempo depois do barulho parar, por volta das uma da manhã, o seu irmão entrou em seu quarto, o tirou do chão e o mandou tomar banho, ele tinha o olho roxo e sabia que não era por chorar.

Logo depois, o mais velho o levou até a cama, o cobriu com o lençol de estampa de dinossauros e com um último beijo na cabeça o disse

"Vai ficar tudo bem, olha, eu não posso ficar mais aqui, mas eu vou te ver sempre que eu conseguir okay? Eu preciso que você seja forte, e por favor, se algum dia se sentir estranho em relação a gostar de alguém que não seja do gênero oposto, conte para quem quiser, menos para a mamãe e para o papai tá? Eu não quero que você passe por isso também, eu te amo muito, bons sonhos"

Foram exatamente estas palavras que ficaram gravadas na mente do garoto, apenas quando ele levantou que conseguiu ver a mochila no canto da porta.

No dia seguinte, o seu irmão já não estava mais em casa, os seus pais agiam como se não tivesse acontecido nada na noite passada, sua mãe como sempre colocou a mesa e tomaram o café da manhã juntos, em silêncio, depois foi o almoço, seu pai chegou do serviço, comeu com eles e depois sua mãe o levou para o colégio, no jantar aconteceu a mesma coisa, e assim se seguiu.

Apenas anos mais tarde foi entender o que tinha acontecido naquela noite, a partir dali, começou a guardar as coisas para si mesmo, sem nunca confiar em ninguém, muito menos nos pais, Akiteru não cumpriu a promessa, nunca mais o viu.

Aos dezessete, se apaixonou pela primeira vez, daria tudo certo não é mesmo? Sim, daria. Isto é, se a pessoa que amava, não fosse um rapaz..

Juntou coragem durante meses até finalmente conversar com os pais sobre isso, eles ficaram muito felizes quando resolveu se abrir com eles, e mais felizes ainda pela possibilidade de uma futura nora, mas ao escutarem o nome, tudo o que tinha em seus olhos era repulsa, digamos que o nome "hayato" não se parecia em nada feminino.

Naquela noite entendeu o motivo de Akiteru ter o olho roxo quando foi falar com ele.

Naquela noite entendeu o barulho da louça se quebrando.

Naquela noite entendeu o porquê dele nunca ter tentado uma reaproximação.

Entendeu o porquê dele ter cortado todos os laços, afinal, também fez isso.

Arrumou as suas coisas de madrugada e foi embora, para onde? Nem sequer ele sabia, ficou vagando por horas e horas, em seu pescoço os tons verdes e azuis se misturavam com o branco, tinha recebido o colar de uma amiga que tinha em sua sala, ela dizia combinar com ele, realmente combinava.

Só parou de andar quando o sol já nascia, parou no meio da rodovia para admirar o raiar.

O tom vermelho com amarelo se tornando um laranja intenso e cobrindo tudo o que não tinha sombra para se abrigar, ao seu lado um carro todo preto parou, estava pronto para dar as costas e sair quando o homem no volante o chamou.

You are not sickOnde histórias criam vida. Descubra agora