Àquela altura, notou que já estava acostumado o suficiente à rotina da cabana quando ouviu o ruído da ducha do banheiro privativo no quarto de Wanda. Era muito baixo e provavelmente passaria despercebido se houvesse qualquer outro movimento ao redor, mas nem mesmo Sam havia voltado, embora o sol lá fora estivesse se pondo num tom forte de laranja com nuances de rosa. O verão estava saindo para dar espaço ao outono de clima mais ameno.
Levantando os olhos do livro em seu colo para o corredor bem ao lado da lareira, não precisou raciocinar muito para fechar o exemplar russo com um marca-páginas e seguir até a própria mala para pegar o pequeno estojo de ferramentas que sempre carregava consigo. A porta do quarto de Wanda, à esquerda, estava firmemente fechada, assim como aquela do quarto de hóspedes, a qual nunca era aberta independente da ocasião.
Imaginava que, por mais que Wanda não os desejasse ali, não os deixaria simplesmente dormindo na sala se não houvesse um motivo maior que os impedisse de usar o quarto. Por isso, o fato de a porta estar trancada e aparentemente intocável o chamava a atenção ao extremo e fazia com que Sam desconfiasse, embora ele não estivesse disposto a se indispor com a Maximoff agora que parecia um pouco mais confortável com a presença deles.
Abaixando-se à frente da maçaneta, encontrou uma chave pontiaguda e fina o suficiente para enfiar na fechadura enquanto encontrava o espaço entre o vão da porta e a fechadura com uma que fazia parte do mesmo conjunto. O trinco era simples demais, constatou com desconfiança quando, sem muito esforço, ouviu o ruído da porta ser destrancada pela pouca pressão da técnica.
Guardou as chaves na parte de trás da calça e se levantou, concentrado na água caindo do chuveiro há poucos metros. Agora, que, tecnicamente, estava agindo errado, fora dos pilares de confiança da ruiva, seus instintos técnicos pareciam mais aguçados do que nunca. Era capaz de escutar até mesmo o revoar de pássaros do lado de fora, se preparando para o repouso noturno.
Do lado de dentro do quarto de hóspedes não se ouvia qualquer ruído. Porém, apesar do silêncio total que emanava do cômodo, a sensação que o tomava ao lentamente empurrar a porta era densa, para dizer o mínimo. De forma incomum, os dedos que se encontravam fechados sobre a maçaneta arredondada suaram e uma percepção em que costumava confiar subiu de sua coluna para o pescoço, alertando-o.
Havia magia ali. Sentira a energia antes e era capaz de detectá-la no ambiente, embora num primeiro momento não visse nada além do pequeno hall, que seguia o modelo da cozinha. À esquerda podia ver uma cama perfeitamente arrumada e claramente não utilizada – estreita, mas claramente de casal – rodeada por mesinhas de cabeceiras modestas e de madeira, como que para combinar com a rusticidade do cômodo.
À sua frente, uma janela com vista para o lago, com as cortinas bem fechadas. Percebeu, no entanto, um brilho estranho na superfície do abajur apagado ao lado da cama, que parecia vir de lugar nenhum a julgar pela falta de iluminação natural ali dentro e algo naquele brilho o fez hesitar, preparando-se para o inesperado. Não sabia exatamente o que esperar daquele quarto sobre o qual a mulher fazia tanto mistério – ou ele criara o mistério? -, mas o pressentimento de que algo estava perturbadoramente errado ali o preenchia por inteiro, além da óbvia presença magnética o rodeando, como que num enlace atrativo para um bote.
Então, lentamente deu um passo para sair do pequeno hall e ao virar para a direita, atento para a atipicidade de movimento na visão panorâmica, soube de onde vinha o estranho brilho vermelho no abajur e o sentimento de ser esmagado contra si mesmo e contra o ar opressor daquele quarto. Diferente do que pensava, não estava vazio.
Logo no canto do quarto, uma versão mais sombria e fantasmagórica de Wanda flutuava acima da altura da cômoda de cinco gavetas, com as pernas cruzadas sob o corpo envolta em energia escarlate de maneira completamente sobrenatural. Tinha os braços abertos e os dedos se moviam lentamente enquanto a cabeça se inclinava num meneio tão lento quanto. Tudo nela parecia ameaçador e perigoso, desde a forma como os fios de cabelos mais ruivos do que nunca oscilavam no ar até o traje escarlate, que terminava com uma tiara que, para além de adornar e delinear o rosto, parecia lhe conferir identidade.
Talvez, uma identidade diferente da mulher que deveria estar tomando banho. Olhou para a porta fechada, tentando se concentrar no ruído do chuveiro, mas não conseguiu ouvir nada e definitivamente não sabia se seria pela real falta dele ou pelo fato de estar naquele quarto, totalmente discrepante da realidade sóbria e fria da cabana. Ali, havia até mesmo calor em meio à energia intensa que Wanda parecia emanar.
Porém, quando voltou a encarar a figura, ao mesmo tempo etérea e pesadamente escarlate, se surpreendeu ao se deparar com os olhos excessivamente avermelhados o encarando diretamente. Já havia presenciado muitas situações inexplicáveis ao longo dos anos e nunca tivera realmente medo do sobrenatural, mas o assustara a forma como a expressão dela parecia congelada em frieza e completa falta de humanidade. Apesar da aparência, aquela presença não se assemelhava realmente a Wanda, pensou, tentando decidir se dizia alguma coisa ou se suas pernas não estavam bambas demais para sair dali.
Porém, ela decidiu por ambos ao menear ainda mais a cabeça e analisá-lo num silêncio esmagador antes de torcer a boca e determinar séria e distantemente em seu sotaque mais pesado.
- Fora.
Não haveria tempo hábil para tomar qualquer atitude ante o poder escarlate que o atingiu diretamente no peito e o jogou com violência para fora do quarto, fazendo com que colidisse pesadamente contra a parede de madeira do corredor após destruir a porta de madeira, que havia fechado ao entrar. Como que num veredicto silencioso da Wanda de Vermelho, viu com espanto a porta começar a se refazer em material real e ser colocada no lugar, perfeitamente fechada, como se nada houvesse acontecido ao que ainda tentava retomar o próprio fôlego.
Ainda tentava compreender tudo o que acabara de acontecer, levando uma das mãos à cabeça dolorida pelo impacto e tentando evitar a onda de tontura pelo golpe inesperado – mas totalmente inevitável -, quando a Wanda com quem estava habituado, em moletom claro, cabelos meio bagunçados ainda respingando água, feições limpas e completamente humanas, abriu a porta do próprio aposento de maneira abrupta, vendo-o no chão e parecendo compreender de imediato o que acabara de acontecer com um apertar de lábios desgostoso e um levantar de sobrancelha sério e implacável.
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The Hurting. The Healing. The Loving.
Storie d'amoreGostaria de poder lê-la da mesma forma que ela o lia, mas Wanda soava como um livro completamente em branco, vazio. Entretanto, apenas às vezes, quando Bucky a olhava com atenção, tinha a impressão de que contemplava a imensidão do jardim de um mund...