A olimpíada

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Eu sempre participei da Olimpíada Brasileira de Astronomia e Astronáutica, a OBA, quando organizavam no meu colégio. Nunca consegui chegar nos três primeiros colocados, mesmo estudando até o último segundo. Sou autista nível 2 e TDAH, e na época do primeiro OBA que participei, quando tinha 10 anos, eu estava passando por uma fase complicada em que não conseguia guardar nada do que estudava. Durante os anos que fui descobrindo mais sobre meus transtornos, consegui melhorar em várias situações, e por conta disso descobri que sou ah/sd, e agora com 17 anos finalmente criei coragem para participar da minha última olimpíada antes de me formar.

O colégio está lotado, por sorte trouxe meus fones abafadores. Eles são um quanto grandes e chamativos, mas eu os adoro por conta da cor azul e verde predominante e os adesivos da NASA e planetas que coloquei. Me sinto mais confortável em um ambiente quando eu estou os usando, o ruim são os olhares, e as pessoas do meu colégio não são nenhum pouco agradáveis.
Consigo perceber alguns dos poucos alunos da minha sala que vieram para olimpíada me olhando "discretamente"enquanto passo pelo corredor. Eu não faço aulas presenciais por conta dos vários estímulos que não me permitem me concentrar, talvez esse seja o motivo dos olhares.

— Não é o garoto que sentava no fundo da sala e ia embora todo dia mais cedo?

Catarina, uma garota que gostava de implicar comigo,  pergunta para sua amiga, Ana ,  em um tom alto que mesmo eu estando de fone consigo escutar

— É ele. Como é seu nome mesmo?

Pergunta para mim 

— Amiga, esqueceu? Ele é mudinho!

Elas riem. Eu não sou mudo, sou semi verbal, tenho dificuldade na comunicação funcional e muitas vezes uso o CAA, e esse é meu apelido na escola, "o mudinho". Nunca soube me defender sozinho, nem tinha coragem para fazer isso, mas meu irmão, que também é autista,  acabou me influenciando depois que voltou de São Paulo com seus novos conhecimentos, gírias e gestos um tanto quanto duvidosos. Levanto minha mão até a altura do meu pescoço e viro até as duas garotas encarando o chão, fiz o gesto mais simples mas que as ofenderiam sem eu precisar falar nenhuma palavra.

Mostro o dedo do meio.

As duas garotas ficam sem jeito e vão se afastando lentamente cochichando uma para outra, com certeza falando mal de mim. Me sinto bem por ter feito aquilo, foi prazeroso.
A sala da olimpíada ainda está vazia apenas com um garoto lendo alguns papéis sentado em uma das carteiras, na porta da sala está parada a única pessoa da escola que aparenta ter interesse em se aproximar de mim O nome dela é Marina, uma garota conhecida por ser muito extrovertida e educada, até demais. Não tenho motivos para odiá-la, nem para gostar dela, eu apenas a suporto.

— Kio! Quanto tempo não te vejo aqui

Tento sorrir mas sai algo diferente, uma careta estranha com a boca

— Você veio para fazer a OBA, né?

Ela passa um fio de cabelo para trás da orelha e pigarreia

— Que pergunta boba. Me desculpe. Eu só fiquei animada em te ver aqui!

Eu percebo, e olha que eu sou ruim de perceber o que as pessoas querem transmitir apenas com entonações de voz e expressões

— Vai participar também?

— Sim. Você também?

Estou acostumado com um sorriso normal, mas Marina conseguiu abrir um sorriso que dá para ver até os molares da boca

— Eu quase nunca ouvi você falar, sua voz é tão suave, meio rouca, mas para mim também é doce!

Resmungo. Não foi por mal, mas eu só quero entrar e me sentar

Academia espacial - Um autista em Marte Onde histórias criam vida. Descubra agora