- Bom dia, querida - diz mamãe puxando uma cadeira a seu lado e me convidando a sentar.
- Bom dia - digo um pouco menos animada que ela. Olho em volta da mesa, Aron e Alec parecem ignorar minha presença, porém Saulo dirige um olhar divertido para mim.- Dormiu bem? - pergunta Saulo, com a sobrancelha levemente arqueada.
- Sim - respondo secamente.
- Cama confortável, né? - o tom de voz de Saulo faz com que Alec comece a prestar atenção em nossa pequena conversa.
- Aconteceu alguma coisa ontem? - Alec pergunta, sem nunca deixar sua postura séria de lado. Agora todos estão prestando atenção em nós, solto um suspiro.
- Nada, não aconteceu nada - mexo nos ovos que estão em meu prato sem realmente prestar atenção neles, torcendo que Saulo não conte sobre a sua versão da noite passada.
Por sorte Alec parece contente com minha resposta e volta a atenção para o jornal que estava lendo. Quando papai ainda estava aqui, ler as tragédias do dia não era um hábito que Alec se esforçava para manter. Mas desde que ele se foi, meu irmão precisa mostrar de alguma forma que agora ele é a pessoa séria da família. Então é isso, toda manhã, sem falta, temos ele fazendo caras e bocas para as letrinhas miúdas socadas naquelas páginas.
Não sei se serei capaz de passar dois meses presa nessa casa. É isso, estou literalmente presa. Presa aos padrões que meus irmãos me impuseram e presa pelas circunstâncias de Deadwood, mas nada disso seria realmente um problema se eu não fosse refém do meu próprio medo.Mas meu Deus, como eu queria poder respirar, como eu queria poder me sentir à vontade perto dos outros, como eu queria poder ser eu mesma em minha própria casa.
Queria muito não ter essa mini Bully dentro da minha cabeça que sempre insiste em lembrar que a vida é isso e que não vai melhorar e que daqui a alguns anos estarei casada com algum cara que trabalha 12 horas por dia e que quando está em casa age como se não existisse, que acabarei tendo que passar metade da minha vida sentada em um cubículo ou ensinando crianças qual é a raiz quadrada de 9, sem nunca realmente dizer algo útil à elas e que depois de alguns anos estarei divorciada pois acabarei percebendo que não me casei por amor e sim porque era o que as pessoas esperavam que eu fizesse.
Não quero cometer os mesmos erros que meus pais.Olho para minha mãe ou para o que restou dela, suas bochechas andam mais coradas a cada dia que passa e de vez em quando eu consigo ver um lampejo do que ela foi um dia, mas quando papai foi embora, ele levou uma parte dela consigo.
Antes que ele saísse de casa, mamãe o seguiu e disse que precisava saber se ele um dia a amou e eu lembro de cada palavra que ela repassou para mim e se me concentrar um pouco consigo lembrar o tom de sua voz ao repetir tudo o que ele havia dito: "Eu te amei, Susan.Mas não foi tão forte assim e isso não basta para me fazer ficar".
Eu vi o pior do amor. Mamãe ainda o ama, porém o amor da vida do papai chegou um pouco mais tarde, quando ele já era casado e tinha filhos. E ele foi embora para viver isso, sem se preocupar em quem machucaria no caminho e eu o odiei por um bom tempo, às vezes acho que ainda odeio.
Olho o relógio que fica ao lado de um quadro com uma foto gigante de quando eu, Aron, Alec e Saulo éramos crianças. Deixei meu celular em cima da cama, então não tenho como ver se recebi alguma mensagem de Henry, mas sei que ele vai está lá.
- Mãe - ela não parece ouvir, então decido chamar um pouquinho mais alto - Mamãe?
- Ah sim, querida? - sua voz sai baixa e me pergunto o que ela estava pensando antes que eu a tirasse do mundinho que ela construiu para si mesma e que apenas ela é convidada a entrar.
- Queria fazer cupcakes hoje - ela pisca algumas vezes, tentando parecer interessada no que tenho a dizer - A senhora poderia me ajudar, nunca sei qual é o ponto certo da massa e além do mais, faz tempo que não fazemos algo juntas - tento afastar a culpa de apelar para o lado emocional, mas realmente preciso falar com Henry.
- Não podemos deixar pra fazer isso outro dia? Acho que não temos nem os ingredientes, Aninha.
- Mãe, por favor - ela olha para mim, suspira e se encosta na cadeira.
- Okay - ela concorda por fim, porém continua sentada - Vou pegar minha bolsa. Alec, querido, limpe a mesa, sim?
- Claro, mamãe - Alec faz um rolo com o jornal que estava lendo e o coloca debaixo do braço e leva os pratos para pia, prontamente atendendo ao seu pedido. Observo minha mãe sair lentamente da cozinha e me dou conta do quanto deve ser difícil pra ela tentar voltar a ter a vida que tinha antes, e que atividades como ir ao supermercado com sua filha mais nova são equivalentes a participar de uma maratona.
No caminho, tento conversar com minha mãe sobre assuntos fúteis e seguros, assuntos que talvez não a façam chorar e que não a deixem toda quieta e distante. A única coisa que me faz perceber que não estou falando sozinha é o fato de ela murmurar ocasionalmente coisas tão baixas que não consigo compreender. Então logo desisto de iniciar uma conversa e ligo o rádio para preencher o silêncio estranho que faz com que eu prefira sair do carro.
Depois de 3 músicas avisto o letreiro da Walmart. Sempre que tenho que fazer compras aqui sinto uma leve onda de culpa. Lembro que quando essa filial foi inaugurada alguns dos moradores tiveram que fechar seus negócios, ocorreram até mesmo alguns protestos, porém a grande e odiada Walmart permaneceu.
Saímos em silêncio do carro e caminhamos em direção as portas automáticas. De onde estou consigo ver Cameron e Thereza encostados no carro de Henry, Cameron olha fixamente pro chão enquanto Thereza parece implicar com ele.- Pode falar com eles enquanto eu pego os ingredientes - ela maneia a cabeça na direção de Cam e Theza, notando que eu os observo. Mordo lábio inferior e ando um pouco mais devagar.
- Tem certeza? Posso falar com eles depois que comprarmos o que precisamos para fazer os cupcakes.
- Eu não preciso que cuide de mim – mamãe alfineta com um tom de voz brincalhão, erguendo de leve o queixo - Ainda sou a mãe aqui.
- Verdade, é sempre bom a senhora lembrar, às vezes acabo esquecendo - percebo o que falei só depois que as palavras saem da minha boca e olho para ela preocupada que a tenha magoado, mas ela está com um leve sorriso nos lábios. Me aproximo e dou um abraço nela em forma de desculpa.
- Chantilly branco ou colorido? - pergunta, enquanto afaga os meus cabelos.
- os dois - dou um beijo em sua bochecha antes de correr em direção ao posto de gasolina.
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With a Little Help From My Friends
RomanceAnne é uma garota de 17 anos que mora em uma cidade pacata e, por proteção excessiva (ou seria insegurança?), passou grande parte da adolescência dentro de seu quarto, enquanto os outros estavam por aí, se descobrindo. Ela sabe que não deveria ser a...