CAPÍTULO 1

964 58 19
                                    

            Coxas grossas, uma barriga caída para baixo com algumas estrias roxas em suas laterais, algumas celulites na base da bunda. Este é o reflexo que o espelho reflete sobre o meu corpo.

            O espelho não é muito grande; aparentemente, eu sou maior que ele, meu corpo não cabe no vidro do espelho. Suas bordas são vermelhas, com dois pequenos suportes para que ele se mantenha em pé. É angustiante olhar para o que ele reflete. Minha vontade é voltar para a cama, mas visto a camiseta por cima do meu sutiã preto, coloco uma calça, arranco o moletom de cima da escrivaninha onde se encontrava jogado e saio à rua para trabalhar. Estou cansada de olhar para a minha autoimagem.

🪞

           Deve ser por volta das três da tarde; acabo de sair do trabalho. O tempo está ensolarado, trazendo um rubor para as minhas bochechas, e nenhum vento para amenizar a temperatura alta, me direciono para o terminal de ônibus, que fica perto da estação do metrô República. Estou usando meu moletom preto — com estampa das fases da lua; essa é a minha roupa praxe de todos os dias, com um jeans ou uma legging, independente do tempo lá fora. Nos dias mais quentes do ano, procuro usar roupas mais frescas, mas o moletom é com certeza a minha vestimenta; às vezes, penso que ele vai criar pernas e sair correndo para que eu pare de usá-lo.

           Falta apenas uma travessa para chegar ao terminal quando sou abordada por um garoto que distribui panfletos para uma loja de óculos. A loja fica exatamente ao lado do meu trabalho. Ele começa a tagarelar o bordão usado pela maioria das lojas, "venha conhecer a nossa loja e blá blá blá". Não prestei atenção em toda a propaganda desenvolvida pela empresa, logo respondo:

            — Eu não tenho dinheiro nem para comprar uma bala, imagine um óculos.  — respondo arqueando as sobrancelhas e frisando os lábios.

            Peço desculpas e informo que não faz sentido ir apenas para olhar.

           No momento em que começo a caminhar para sair da meia calçada que intermedia as ruas, sou surpreendida com a resposta:

            — Você não paga para andar na República, isso não quer dizer que não pode olhar.

           Ele definitivamente quebra as minhas pernas; fico sem resposta. A minha boca transita entre fechada e aberta enquanto eu penso no que vou responder. As palavras fogem.

           — Já imaginou ter que pagar só para olhar?

          Seu olhar está fixo no meu, as palavras afiadas, o sarcasmo dança a cada sílaba que sai de sua boca. Eu não vou voltar apenas para olhar os óculos, penso comigo mesma. Seu corpo se move de um lado para o outro, solto, desinibido, os quadris magros à mostra, um sorriso peculiar de afronta, com uma ponta de esperança para que eu cedesse.

           Bufo pela insistência do rapaz e, obviamente, pela sua cara de pau.

           — Prometo que irei outro dia (o que eu sabia que era mentira); e lhe ofereço uma piscadela.

           — Combinado, moça.

           — Certo, bom trabalho! Até mais. — Faço o sinal de tchauzinho.

           — Pelo menos leva o panfleto, né?

           O seu jeito arteiro sobressalta sobre os seus lábios finos.

            Encaro-o seriamente, surpreendida pela audácia desse sorriso sorrateiro, envolvendo todos os traços do seu rosto.

            — Está bem. — Digo por fim.

Um Clichê por entre as Curvas do espelhoOnde histórias criam vida. Descubra agora