CAPÍTULO 8

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            Começo a desabotoar o botão da calça assim que entro em meu quarto, está apertando toda a minha barriga. Puxo a calça para baixo e coloco a mão sobre as marcas vermelhas que a calça deixa em minha pele. Isso é o que dá usar calça jeans tão apertada. Em pé, não sinto tanto, mas quando me sento com ela, é possível sentir o meu estômago indo se encontrar com o meu fígado. Não adianta, eu não vou usar as calças de moletom que minha mãe me deu. Minha bunda já é quadrada; usando aquilo vai evidenciar ainda mais, além de parecer um peixinho na minha parte de baixo, e não é um simples riozinho não, é o oceano inteiro. Embora eu consiga respirar com as calças bregas que minha mãe comprou – reviro os olhos.

            Estar acima do peso é um saco. Quando se tem uns quilos a mais, não é o que você escolhe vestir, mas escolher entre os modelos que te servem na loja. Geralmente, são roupas largas que não delineiam nada o corpo, com estampas horríveis, alternando entre roupas pretas com listras brancas para parecer uma zebra ou flores para parecer que saí de um jardim. Eu, particularmente, não gosto de blusas que delineiam meu corpo porque isso evidencia demais minha barriga. Dessa forma, compro blusas largas de alguma série que gosto, alguma banda ou cantor, e uso com calças que fiquem rentes às minhas pernas. Assim, quando não estou com o meu moletom, não pareço um balão por completo.

            Com as mãos, empurro a calça até o chão e a chuto para perto da cabeceira da cama. Depois, começo a puxar minha blusa, fazendo um X com os braços. A blusa enrosca no meu cabelo quando passo pelo pescoço, e depois a jogo ao lado de onde chutei minha calça. Abro o fecho com as duas mãos jogadas para trás e puxo as alças do meu sutiã para baixo,  tiro-o pelo meio e o jogo no balde de roupa suja no canto do quarto. Passo as mãos pelos meus seios, direcionando-os para cima. Por que os meus seios têm que parecer com dois limõezinhos? Minha barriga é maior que meus seios. Logo em seguida, começo a abaixar minha calcinha pela lateral; não tenho dificuldade de retirá-la mesmo com as minhas coxas grossas.

            Ao baixar o olhar, reparo que nem consigo ver minhas partes íntimas por conta do tamanho da curvatura da minha barriga. E depois ainda quero conseguir transar com alguém? — me questiono, pegando a calcinha do chão e jogando-a com pressa no cesto de roupa suja. Estou me sentindo cansada de me frustrar por coisas que não consigo e não sei como mudar nesse momento. Abro o guarda-roupa, pego uma toalha e me direciono para o banho.

                                                                                           🪞

            Essa não sou eu. As feridas abertas sangram, constato colocando o dedo sobre uma delas que o odor que apresentam é fétido. Uso um conjunto branco como peça íntima, as manchas se sobressaem deixando um branco turvo, sujo.

            Não consigo ver algumas das feridas que se espalham pelo meu corpo devido a vestimenta. Afasto o tecido de renda para o lado, o que faz meu ombro se contorcer em dor. Um líquido amarelo esverdeado sai sobre a abertura, misturado a uma cor verde musgo. As minhas mãos tremem como nunca tremeram antes, o corpo acompanha em um misto de medo, pavor e desamparo.

            Não há ninguém no quarto, estou sozinha. Abraço-me procurando um colo ou algo perto de um consolo. O quarto está escuro, parecendo algo fora da realidade, as cores são distorcidas, há pouca luz no cômodo. Em frente ao espelho não consigo ver nada além da minha silhueta. A pequena fresta de claridade se manifesta pela janela, as sombras dos meus dedos se dão enquanto esforço-me para retirar a peça de cima, as lágrimas quentes de aflição começam a escorrer pelas bochechas. O medo é como um bicho papão que sempre está escondido às espreitas; Ver ninguém nunca viu, mas todos sabem que ele está escondido na escuridão. Quem é essa pessoa que está à minha frente?

            A única presença que envolve meus ossos, são as correntes frias de ar batendo sobre minha carcaça, lembrando-me que algo aqui dentro ainda bate desesperadamente. Abraço esse que não aquece, envolve-me em seus sopros, em suas correntes repentinas, me afogando no medo do vazio, do abandono e da solidão. Impulsiono o ar para dentro de meus pulmões, a dor repuxando o peito.

            O cheiro fétido e pungente queima minhas narinas, fazendo-me voltar a atenção às escoriações que aparentam sobre minha pele. Estão deslocadas por toda parte, nas coxas, atrás das pernas, na barriga e no ombro. Eu estou literalmente decompondo. Retiro o sutiã para poder observar melhor o buraco que parece aumentar a cada vez que olho.

            À minha frente se encontram seios pequenos, desnudos, a meia luz ainda percebe-se a sujeira impregnada em minha pele. Prendo a respiração, segurando as lágrimas. Nesse quarto inebriante perco todos meus sentidos, as imagens se embaçam, os cheiros se fundem por baixo das narinas, o equilíbrio tropeça sobre os pés, cambaleio para trás.

            Direciono a cabeça para baixo, adquirindo coragem olho para a ferida exposta em meu peito, coloco os dedos separando as camadas finas do machucado para o lado. As mãos se estremecem ao encontrar algo parecido com.

            — Isso é pele?

            A respiração se encontra ofegante, como faço para sair desse pesadelo? Eu quero sair daqui! Me atiro para o espelho para olhar mais de perto. Tampando a respiração, não me resta dúvida de que isso é pele, dentro de mim há mais pele? Isso que tem dentro de mim?

            Meus braços se encontram na lateral do espelho, enquanto grito:

            — Por que isso está acontecendo comigo? Como eu faço para sair daqui? O que eu faço para sair? Eu quero sair! Esse corpo não é meu! Como eu .. a voz se embargou se tornando inaudível e cansada, um fiapo de voz.

            — Como que eu saio dessa merda?

            Jogo o espelho no chão, deixando-o estilhaçado em vários pedaços sobre o piso. Me ponho sobre ele, com o rosto inchado, e ali em vários pedaços, o pouco que consigo ver, em uma rápida visão turva, meu corpo sem arranhões, escoriações, apenas eu praticamente nua.

            Acordo a gritos histéricos de pavor, perturbada. Um aperto no peito, uma sensação sufocante. A dor se alastra sobre o peito, preenchendo todo o espaço, como se eu não conseguisse respirar, parece que todas as cavidades estão preenchidas por água impedindo que eu respire.

            Após algumas horas tremendo, e me acalmando a base de água com açúcar meus pais conseguiram um encaixe com a minha psicóloga.

                                                                                      🪞

            — Era pele saindo de mim, pele, Isabella! — A voz sai como um filete com o choro engasgado na garganta.

            — Você sempre reclama de ser você. Será que essa "pele" saindo de dentro de você, não é essa pessoa que você quer sempre tanto ser?

            — Eu não sei.

            — Talvez seja sobre o que sempre conversamos, sua angústia com você mesma. É como se você sempre quisesse ser diferente, como se quisesse ser outra pessoa.

            — Eu queria ser magra.

            — E por que você acha que ter alguns quilos a menos, fará você começar a gostar de você?

            — Pelo menos os outros irão.

            — Já percebeu que tudo é sempre sobre o outro? Quando começará a ser sobre você?

Um Clichê por entre as Curvas do espelhoOnde histórias criam vida. Descubra agora