Capítulo 10

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            Decidimos em grupo que todas as sexta-feira os ensaios serão para músicas cantadas em conjunto com backing vocals ou em coral. Esse é o único momento no qual consigo tirar Gabriel da cabeça. A primeira música selecionada para o ensaio em coral será "Talking to the Moon".

            Em conjunto, encaixamos onde o coral entraria, e sairia da música. Cada indivíduo do curso, tem uma voz singular, única e potente. E esse será o trabalho mais árduo da professora conosco, fazer com que todas essas vozes de taquaras rachadas, brincadeiras à parte, sejam apenas uma voz. Amenizar os melismas de uns, trazer a voz para a frente de outros, equalizar os timbres, e no meu caso, não deixar com que a minha afinação desequilibrada para cima, leve a turma inteira. O vocalista até o momento ainda não foi escolhido, quem dá a voz é a professora. Encaixamos "uuuuuus" no moon na parte do "talking to the moon" e repetimos algumas palavras da música como "I know" até ficar harmônico. Encerramos a aula hoje com a música pronta para ser cantada em coral. Agora só falta escolher o vocalista ou a vocalista.

            No ônibus para casa, meus pensamentos se dividem entre Gabriel e o curso. Se eu pudesse escolher uma pessoa para cantar a música, seria o Theo. Ele tem uma voz leve, mas que mantém presença, acho que se encaixaria perfeitamente. A escolha ficou nas mãos da professora para que não desse briga, mas vou torcer para que ela escolha ele. E agora penso se Gabriel está tão ansioso para amanhã quanto eu estou. Deixo o cotovelo dobrado sobre a janela, observando as ruas que se cruzam no caminho para casa, enquanto permito que a minha imaginação flutue por aí.

                                                                                      🪞

            Preciso decidir o próximo passo: com qual roupa vou? Subo as escadas correndo e já vou fuçar no meio do meu guarda-roupa. A maioria das minhas roupas são pretas, sendo elas moletons, leggings e a calça jeans que me deixa toda apertada. Começo a procurar se tenho alguma roupa para sair. A maioria são roupas de quando eu era bem mais nova, ou ficam muito justas ou nem servem.

            Avisto um vestido preto básico de lantejoulas. Me posiciono em frente ao espelho, deixando a roupa por cima do corpo e me questiono se não seria uma má ideia experimentá-lo. Retiro as roupas que passei o dia, permanecendo apenas de sutiã e calcinha. Coloco o vestido, passando os braços pelas alças finas do tecido. Como imagino, marca toda a minha barriga, e meus seios não são o destaque do meu corpo, porque outra parte é. As pernas estão basicamente todas de fora, o que me deixa desconfortável. Por mais que as minhas coxas sejam grossas, não são definidas e nem delineadas como as de garotas magras. Não tenho nenhuma parte para ser admirada. Onde eu estava com a cabeça em chamá-lo pra sair?

        Estou  frente a frente do espelho, sem obstáculos para que eu não consiga enxergar, apenas eu, da forma mais nítida possível, sem nada para tampar meus olhos, ou um lugar para fugir. O refluxo sobe pela garganta, e o empurro para baixo como um veneno amargoso. O gosto que permanece na boca é de "quando eu vou gostar de mim mesma de verdade" com retrogosto de "será que um dia serei amada?"

            Estou muito longe de ser alguém atraente. Os órgãos retorcem com tudo que há por dentro, amassando, paralisando, dobrando, espremendo, subindo para a minha boca como se quisessem sair. A sensação interna é gelada, como se estivesse tudo vazio, oco, apenas cheio de gordura por fora. As mãos se tornam frias, com sutis arrepios eriçando minha pele, inerte sobre todos os efeitos que acontecem quando me ponho a me olhar, ouço cada batida, cada movimento, cada som interno. Não quero deixar que os sentimentos transponham-se para fora parecendo um presságio de que as coisas nunca irão mudar. Essa sempre será a imagem que eu verei? Essa sempre será eu?

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⏰ Última atualização: 4 days ago ⏰

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Um Clichê por entre as Curvas do espelhoOnde histórias criam vida. Descubra agora