CAPÍTULO 9

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            Com a noite veio a calmaria, mas horas antes a raiva e o medo bradava como fogo ardente, feroz e destemido por todo o meu ser. Eu precisava de um abraço, de um afago ou um simples gesto doce. E o que eu recebo? Perguntas e mais perguntas, me sentir dessa forma é culpa minha!? Quando as coisas vão ser sobre mim?

            O sonho ainda percorre meus pensamentos, de forma repentina durou o dia até agora, a imagem da pele saindo do meu peito, não se desmancha do meu pensar, e sempre que ele vem a tona novamente o arrepio sobe em mim por inteira, por completo.

            Após um chá de camomila os ânimos se acalmam, e consigo respirar com calma. Ainda com os sentimentos embolados no peito, essa não é a primeira e nem a última vez que saio assim da terapia, e engraçado que procuramos tantas respostas e só recebemos mais perguntas. Vejo a tela do celular se acender na cabeceira ao lado, pego o celular esticando o corpo na cama, uma mensagem de Gabriel pisca na tela.

            — Oi, não veio hoje?

            Sem nem notar estou batendo os pés no chão de animação, após um pulo imediato para fora da cama. Pareço uma criança que acaba de ganhar um doce de tanta felicidade. Ajeito o celular próximo ao peito, e sorrio para o nada desacreditada que ele me mandou uma mensagem. O que é que estava me atormentando mesmo!? Ah é, nem lembro!

            — Oi, precisei ir resolver algumas coisas. Às vezes, elas se tornam uma bagunça, mas apareço por aí amanhã. (A mesma desculpa que usei para o trabalho: necessidade de resolver problemas pessoais).

          Decido após essa mensagem que para o resta desta semana, tenho um propósito: convidar o Gabriel para sair. Eu preciso tentar. Só de pensar nessa hipótese, minhas mãos suam, a respiração pesa, e sinto a pele em meu peito deslocar-se como se estivesse prestes a sair para fora.

            Amanhã já é quinta, e, nesse exato momento, encontro-me deitada na cama encarando o teto, arquitetando como executarei a difícil tarefa. Preciso ignorar todos os pensamentos medrosos que cercam meu juízo. Eu nunca chamei alguém para sair, e isso me gera várias dúvidas: E se der errado? Como isso funciona? É só chegar e chamá-lo "vamos sair?" ou ser um pouco mais sutil, perguntando se ele está apenas afim de comer um lanche?

            Quanto mais deixo essas preocupações circularem, mais nervosa fico, o que não me deixa pegar no sono por mais que eu tente. A cena que elaborei permanece se repetindo em minha cabeça, acompanhada por uma respiração quente, ofegante, roubando o ar que pertence a meus pulmões. Aguardo o sol aparecer para lhe dar bom dia.

           Por não ter conseguido pregar o olho essa noite, nem por míseros minutos, estou desatenta no trabalho. Por sorte, hoje minha função é apenas atender o telefone, nada além disso. Não preciso de muito para cochilar na mesa, mas, se hoje fosse um dia cheio, seria bem pior.

           Em frente ao prédio, todo o sono que eu sentia antes de cruzar a porta simplesmente faz as malas e vai embora, dando lugar à euforia que senti ontem à noite, enquanto recriava várias cenas e tentativas de chamá-lo para sair. Sinto meu coração bater na raiz dos dentes, percorrendo um circuito que passa pelo meu estômago, sobe pela garganta e chega até a boca

           Gabriel está parado em frente à loja distribuindo panfletos. Com as pernas meio bambas, aproximo-me:

           — Oi.


            — Oi, as coisas estão melhores, moça? 

            Sem conseguir controlar, começo a gaguejar. Eu não posso me dar ao luxo de deixar a coragem ir embora, deixando-me desprotegida, apenas na companhia do medo.

Um Clichê por entre as Curvas do espelhoOnde histórias criam vida. Descubra agora