No início da aula fazemos alguns exercícios de relaxamento. Nesse curso aprendi a bocejar sem colocar a mão na boca, para relaxar a mandíbula e deixar a face mais solta, e consequentemente abriu-se uma porta para que eu passasse vergonha em público. Comecei a esquecer de colocar a mão na boca enquanto estou entre outras pessoas que não são meus colegas de curso.
Cada um vai cantar a música que escolheu para trabalhar com a professora e eu serei a primeira. A sala é pequena, toda branca com um piano médio ao lado da porta e à sua frente um pequeno palco montado para que possamos nos apresentar.
Escolhi uma das músicas da cantora Ana Carolina para apresentar hoje, chamada "Garganta". Preciso treinar os meus graves para ter sustentação nos agudos. A professora chama as sopranos de gralhas, um apelido fofo para as vozes agudas. Devo ser a gralha maior devido ao meu problema de afinação. Vou subindo as notas sem perceber e faço toda a minha turma subir junto comigo, e erramos em conjunto. Antes de soltar a voz, após os vocalizes, a professora passa alguns exercícios de voz antes de iniciar o canto para que eu consiga encaixar a minha tessitura no grave.
— Coloca a língua para fora e fala "A".
— "AAAAAAA".
— Agora, coloque a mão sobre o peito. Sentiu vibrar?
A sensação era de uma britadeira vibrando em meu colo.
— Sim.
— Para finalizar, iremos realizar um pequeno vocalize. Repete para mim "yeah".
— Yeah.
— Agora você vai vocalizar esse som nas notas que irei tocar, indo do grave para o agudo.
Quando faço esse exercício a minha voz parece versátil, se desprende com uma facilidade tão grande, e consigo acertar certas notas rapidamente. Seria tão fácil se acontecesse isso na hora de cantar também.
Passo para a música e reproduzo o mesmo que fiz a alguns minutos atrás, a vibração não é a mesma, nem a sensação; não pesa como antes. Não sinto a voz indo para a cabeça, mas a sensação é estranha, baixa, quase similar a um gargarejo.
— Está melhor do que nas primeiras aulas, Karina. Antes você não conseguia alcançar as notas graves e hoje você conseguiu. Parabéns, um ótimo avanço. — A professora gesticula um "joinha".
Eu não sinto mais vergonha de cantar em frente à minha turma. Sempre nos apoiamos mutuamente, é um lugar de segurança. No começo eu ficava nervosa por não ter controle sobre a minha voz, e pode ser esse um dos motivos de ter demorado um pouco mais para alcançar algumas notas, como o grave: a vergonha. Às vezes me questiono, o que será que eles pensam de mim? Que eu desafino? Que eu canto muito bem? Será que são tão acolhedores quanto parecem? Eles entendem que eu sou apenas estudante e que estou propensa a errar? Eu sei que eles não vão me julgar, mas também nem precisa, eu mesma já faço isso, mas o processo é assim mesmo, um passo de cada vez, melhor do que ficar parado no mesmo lugar. O feedback de hoje foi bom, o que me deixou animada. Lembre-se Karina, tijolo por tijolo se constrói um prédio, repito mentalmente para mim.
— Mandou bem Ka! — exclama Theo, após a minha performance.
Escuto meus colegas cantando depois. Vozes diversas, uma mais bonita que a outra, cada uma com sua beleza. Cada dia de aula é um show diferente a ser apreciado.
🪞
Desço do ônibus próximo da "meia noite" e caminho para casa junto do meu pai; ele sempre vem me buscar para que eu não volte sozinha. É cansativo acordar cedo e voltar tão tarde pra casa, mas me sinto renovada, sinto que eu estou no lugar onde deveria estar. Posso não estar tão próxima do meu sonho de atuar como profissional na área do canto, mas estou caminhando. Subo as escadas de casa; minhas pernas pesam pelo dia cansativo, e ando cambaleando em direção ao banheiro. Dispo-me a roupa e entro no chuveiro sem olhar para o objeto preso à parede.
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Um Clichê por entre as Curvas do espelho
RomanceKarina é uma jovem que luta contra as batalhas diárias com seu reflexo no espelho. Entre inseguranças sobre o próprio corpo, a dor do empanzinamento emocional e o medo de nunca encontrar um amor, ela se vê dividida entre o desejo de aceitação e a bu...