O caos iminente

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Em toda a sua vida, Engfa jamais pensou em si mesma como uma pessoa covarde.

Com sua personalidade pragmática e bastante impaciente, ela odiava deixar qualquer assunto mal-resolvido, e guardar sentimentos para si mesma não era bem a sua maneira de lidar com o que a estivesse incomodando.

Mas após passar todo o fim de semana enfurnada em seu quarto, assistindo à dramas ruins e evitando qualquer tipo de interação humana, ela precisava admitir que, pela primeira vez, estava fugindo de algo...

Fugindo de Charlotte.

Quando aquele jogo insano entre elas começou, sua consciência a lembrava constantemente de que não havia uma única razão altruísta no que estava fazendo com Charlotte. Engfa havia, afinal, descoberto um lado diferente de sua melhor amiga, e com isso, um lado diferente de si mesma.

Charlotte dera a ela uma novidade, tão assustadora quanto era excitante. Ela a provocava, trazia à tona vontades que Engfa sequer sabia que tinha, e, principalmente, a desafiava a tomar com confiança o que queria. E Engfa gostava daquilo, da sensação de estar no controle, mesmo que, o tempo todo, Charlotte fosse a única que realmente possuía alguma carta sob a manga, vencendo-a silenciosamente.

Mas Engfa estava bem com isso, com sua entrega auto-indulgente ao jogo, porque mesmo que nunca tenham esclarecido realmente aonde queriam chegar com aquela relação incomum, ela sempre poderia tentar seguir aquela única regra, de que tudo o que fizessem não significaria nada, que elas seriam somente amigas e assim permaneceriam, independente de quão longe fossem. E, por um tempo, aquilo pareceu suficiente.

Até não ser mais.

E sem a morena perceber, tudo mudar.

Ela não saberia dizer em que momento as coisas haviam se tornado tão confusas, que acontecimento teria provocado aquela mudança repentina. Mas conforme Engfa se deixava afundar mais e mais em Charlotte, permitindo-a se enredar em sua mente, em seu corpo e em seu coração, aquela regra nunca dita em voz alta ia se tornando cada vez mais frágil, cheia de rachaduras, tão fácil de quebrar.

E quando naquela noite na sala de prática, Engfa friamente tomou a decisão de se afastar depois das palavras de Heidi, fingindo não se importar com o que havia acontecido antes entre Charlotte e ela, e sem dar à garota tailandesa qualquer explicação, era pela simples razão de que... Engfa estava com medo.

Porque, como uma grande idiota, ela havia se apaixonado por sua melhor amiga.

E Charlotte, bem... Ela não tinha certeza se Charlotte sentia o mesmo.

Havia, é claro, momentos em que Engfa se permitia ignorar todas as dúvidas, pega por certos vislumbres que poderiam ser facilmente confundidos como verdades. Como nas vezes em que Charlotte a olhava tão completamente deslumbrada, como se cada um de seus pensamentos estivessem nela, mas ao mesmo tempo desfocados e distantes, como lembranças doces entrelaçadas ao presente. Ou quando Charlotte mal podia controlar as reações de seu corpo sempre que estavam em um mesmo cômodo, como se seus sentidos tivessem sido treinados para reconhecer somente Engfa.

Mas apenas suas análises superficiais, talvez baseadas no que Engfa gostaria que fosse real, não eram suficientes para dar à ela a garantia de que Charlotte sentia algo além da atração física insana existente entre elas.

Além disso, havia ainda o fato de que, para a ruiva, estar com outra pessoa talvez não valesse o risco de perder tudo o que tinha, seu trabalho, a vida que construíra para si mesma em Bangkok. Não eram coisas substituíveis ou facilmente recuperáveis, e por isso, Engfa não a culpava. Também não era seu direito pedir a Charlotte que a escolhesse.

Patos e AmassosOnde histórias criam vida. Descubra agora