Patos e Amassos

Um ponto sem volta

Charlotte fitava com impaciência silenciosa a taça de vinho em sua mão, conforme o líquido rubro se agitava em círculos suaves ali dentro.

Era sua primeira folga de verdade em semanas, devido à sua agenda apertada e aos preparativos para as promoções do grupo que aconteceriam em breve, e daquela vez, Charlotte tinha feito questão de ir se divertir bem longe do dormitório, acompanhada de uma amiga.

Como escolha para a noite das garotas, elas haviam decidido ir a um conhecido restaurante em Khao San Road, que felizmente não exigia reservas antecipadas, e segundo os críticos, servia um dos melhores vinhos artesanais do país. Mas até aquele momento, Charlotte mal havia tocado na bebida em questão, precisamente sentindo-se acuada pelas muitas perguntas feitas por sua companhia.

– Vamos, Char, me conte quem é... – Becky a pressionava em sua língua materna, esticando-se sobre a mesa para poder baixar o volume de sua voz, como se alguém fosse entender o que diziam, de qualquer maneira... – É uma garota? Você sabe que não direi a ninguém, se for.

Charlotte não tinha ideia de como sua amiga sabia que havia uma pessoa em sua mente, mas talvez ela apenas não fosse muito boa em esconder coisas. Isso, ou Becky realmente a conhecia bem demais.

– Pare com isso... – Charlotte tentou desviar, concentrando-se em parecer mais entediada do que na defensiva. – Não há ninguém. Por que você está sendo tão paranoica?

– Vinte e cinco anos e você ainda não aprendeu a mentir bem, Austin. – ela estalou a língua. –  Igual a uma certa amiga nossa, por falar nisso.

Inevitavelmente, o pensamento de Charlotte foi parar em Engfa, e no fato de que desde que haviam definido sua relação, ou boa parte dela, as coisas estavam realmente diferentes entre as duas garotas.

O caso era: Charlotte estava apaixonada. Ela não se preocupava mais em tentar entender os motivos, ou em seguir alguma linha específica até o momento em que começou a sentir algo por sua melhor amiga, tudo o que Charlotte sabia era que, pela primeira vez, não havia mais a necessidade de criar desculpas para estar com ela, para tocá-la, senti-la em seus braços em cada pequena oportunidade que tivesse. O jogo finalmente havia terminado para elas. E por alguma razão adorável, que ainda fazia seu estômago fervilhar de excitação e incredulidade, Engfa a tinha aceitado como sua, a visto como uma igual, refletindo os mesmos sentimentos que Charlotte transparecia sempre que seus olhos se perdiam nos dela.

Mas ainda que aquela fachada de amizade, irmandade ou qualquer que tenha sido o rótulo que sustentaram por tanto tempo, tivesse caído por terra no instante em que Charlotte finalmente disse o que queria, seu relacionamento ainda parecia carregar um peso incômodo de instabilidade, o momento de uma exposição sempre as espreitando, preocupando suas mentes constantemente.

Bem, não era como se Charlotte não soubesse que não seria fácil, que esconder um relacionamento como aquele, quando olhos de todo o mundo estavam sempre sobre elas, era a coisa mais complicada que poderiam fazer... Mas ainda assim, era um risco que ela estava disposta a correr, porque talvez, apenas talvez, Charlotte tivesse começado aquilo levemente consciente de que estar com aquela garota era tudo o que sempre quis.

Deus, a quem ela queria enganar? Charlotte tinha certeza de que aquele era o caso. E mesmo que ainda sentisse correndo por sua espinha aquele fio persistente de medo, não apenas por si mesma, mas pela outra garota, de que aquele relacionamento a levasse à completa ruína, ela não conseguia se arrepender de qualquer uma de suas escolhas recentes.

E bem... Engfa não costumava fazer muitas reclamações, também.

Um sorriso tolo se abriu inconscientemente em seu rosto, morrendo mais rápido do que Charlotte poderia contar, quando Becky estalou os dedos diante de seu rosto para chamar sua atenção.