ROTA

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TZUYU

— Café!

Uma criança escancara a porta do quarto e, infelizmente, eu a conheço.

— Fora, Jongdae. — minha fala sai cuspida, estranha, com resquícios de uma rouquidão que sempre me pega ao despertar.

— Titio disse que só posso descer quando te tirar da cama. — ele confessa aos resmungos, pouco determinado a cumprir a tarefa que foi dada ao assumir uma postura de guarda desleixada.

Sei que qualquer tentativa de afastá-lo será em vão, então chuto os cobertores e me sento na cama — um pedacinho estreito de madeira e espuma velha. Sem o devido cuidado, posso acordar com a coluna em migalhas, mas esse improviso que chamo de cama tem servido na maior parte do tempo. 

Com sorte, talvez eu consiga arranjar um colchão novo.

— Vamos logo, o arroz vai esfriar!

Arremesso meu sapato sobre o garoto. Ele parece gostar de tirar minha paciência antes do nascer do sol, oscilando entre uma tábua e outra em sua brincadeira pessoal. 

Jongdae vai fazer quantos anos mesmo? Oito, se eu estiver certa, na próxima semana. É um assunto que ele não nos deixa esquecer, retomando o tópico “festa de aniversário” a cada refeição que temos juntos. É tão irritante que não consigo evitar um muxoxo fraco que faz o meu pai me repreender silenciosamente com o olhar.

— É melhor que ele não tenha queimado dessa vez. — digo e pulo para fora da cama, arrastando a mochila pesada antes de fechar a porta e descer as escadas.

O ar empoeirado é um lembrete de que a casa está precisando desesperadamente de uma faxina, mas achar tempo entre os turnos da patrulha e a reforma do asilo se tornou, no mínimo, complicado. As pernas ruins do meu pai impedem que ele exerça atividades que o mantenham em pé por algum tempo e Jongdae é incapaz de limpar a própria bunda, o que nos deixa sem muitas opções.

Chegando ao andar inferior, não há grandes mudanças embora o Natal tenha ficado para trás e toda a decoração de shopping retirada das ruas. Eu ainda encaro a árvore artificial no canto da sala durante as refeições, o que não é nada bom pois, se permito, minha cabeça vai se enche de besteiras e preciso me distrair com coisas que não gosto até estar cansada demais para pensar de novo; é menos ruidoso dessa forma. 

— Sem correria nas escadas! — o homem barbudo e de meia idade que chamo de pai repreende Jongdae que passa voando por mim, sua aparência parece tão desorganizada quanto a casa, mas não brigo com ele quando as navalhas de Daegu são uma merda.

— Desculpa, titio! — o pirralho responde, curvando-se na esperança de que o pedido dê um passe rápido até o melhor lugar da mesa.

Não dou mais que um aceno breve, questionando sobre os remédios e o estado atual das pernas de papai. Nós costumamos brincar que elas têm um humor temperamental, rebelando-se por movimentos bruscos e nuvens frias. 

A cada dia que passa, o relatório que entrego à médica da cidade é mais precário, denunciando a falta de cuidados melhores. Ela aparece toda semana para checar o estado geral e acompanhar a situação das pernas, mas o equipamento que temos na colônia é enferrujado como um navio naufragado e não dá para simplesmente viajar para Gwangju com o único objetivo de melhorar o tratamento dele. 

Mesmo que eu decida enfrentar a jornada entre uma colônia e outra — uma rota extensa e duplamente perigosa —, sei que receber permissão para isso é utopia. Além disso, meu pai nunca aceitaria o risco de me perder no caminho; acho que a casa ficou vazia demais depois de tantas mortes.

THE LAST OF TWICEOnde histórias criam vida. Descubra agora