FLECHAS, ESQUIVAS E CRÂNIOS ESTRAÇALHADOS

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TZUYU

— Você está onde?! — Jeongyeon pergunta com mais veemência, algo a se esperar com essa interferência ridícula no rádio.

E como se não bastasse, a perspectiva não é das melhores: roupas úmidas e caminho enlameado pela chuva, além de poucos animais nas redondezas por conta dos “zumbis-nada-mortos” prontos para te matar em qualquer esquina — em Haman, a expressão perde toda a hipérbole. É um cenário não muito promissor, mas poderia ser pior.

Desde o declive, logo na entrada da cidade, já podíamos ver hordas inteiras se movendo pelas ruas como um organismo único, naturalmente unido e sintonizado. Foi um milagre termos chegado aqui sem nenhuma das criaturas nos notar, ou reagir suficientemente rápido para isso, considerando o barulho que as bicicletas fazem mesmo com o eco da chuva nas goteiras isoladas e os pequenos cursos d’água formados na ausência humana. 

De todo jeito, os corredores são demônios físicos, mesmo que percam a presa facilmente quando elas saem do campo de visão. Um pouco mais chatos por escutarem demais, os estaladores se tornam complicados de despistar se a distância entre você e eles for curta. Nem toco muito no assunto “perseguidores” porque dá para se livrar deles da mesma forma que se livra de um rato inconveniente, sorte mesmo é não ter dado de cara com baiacus até agora, o motivo de meus pesadelos. 

Encaro Jeongyeon batendo no walkie-talkie como se problemas técnicos pudessem ser resolvidos à força, capaz de estragar a nossa chance mais rápida de encontrar o grupo perdido. Tem fazendeiros que são tão brutos que podiam fazer parte da nossa linha de frente, mas preferem feder a esterco que conhecer belas montanhas durante patrulhas.

— Estamos na bib… do outro lado do…

— Cacete, Sana, tem certeza de que saiu do porão? — Jeongyeon reclama, seu estado de humor antes eufórico se deteriorando pouco a pouco. 

Ela nunca esteve em buscas que não fossem simulações da colônia, não está acostumada com as frustrações esperadas depois de uma boa pista. Eu deveria me chatear por isso, mas temos colhido tantas frutas e raízes boas que não me acho no direito de obrigar alguém a ter conhecimento de algo que não seja a sua área.

Mesmo longe, consigo visualizar a expressão impaciente de Sana ao escutar a pergunta. Ela odeia ser tratada como uma tola, o que passa longe de ser verdade, mas não consegue ser incisiva para se livrar desses julgamentos. Sana é gentil demais às vezes e isso me tira do sério quase tanto como sua hesitação em outros assuntos; se eu pensar demais sobre isso, vou acabar perdendo o foco. 

— Pergunte quantos suprimentos ela tem e se está machucada. — murmuro para Jeongyeon que me olha sem dizer uma única palavra, entregando-me ao invés disso gestos óbvios apenas para me aborrecer, sua diversão particular.

Transfiro o arco de uma mão para outra a fim de relaxar os dedos, ela continua olhando para mim, então a ignoro até que decida me obedecer. 

— Sana?

— Estou aqui, falhando, mas aqui. 

— Tudo bem, melhorou um pouco, colocou o treco para cima?

— Ah, sim, estou captando sinal trepada numa árvore com o braço para o céu. 

— Uau, sério?! Meio inesperado, mas bom, parece que você tem tomado algumas lições particulares com gente que gosta de andar pelos telhados. 

Sana xinga antes de responder, acabo rindo no processo.

— Deixa de ser idiota, Jeongyeon! Estou para escorregar nessas telhas velhas e morrer soterrada por livros, fala logo! 

Jeongyeon desliga o microfone por um momento, inclinando-se em minha direção.

THE LAST OF TWICEOnde histórias criam vida. Descubra agora