PANDEMÔNIO

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SANA

Se não fosse pelo céu caindo, as coisas poderiam estar bem. 

É como se um castigo divino estivesse nos dizendo que aquela não tinha sido uma ideia maravilhosa e eu concordo, remoendo comigo mesma o apoio que dei a Christopher dias atrás. 

Em vez de seguir direto para Busan depois de um desvio obrigatório, o comandante resolveu dar ouvidos à ambição e checar a veracidade dos boatos. Nossa equipe não ficou exatamente satisfeita com isso, mas Yeonjun estava curioso e Chan não se importava com uma aventura a mais, sobretudo se ela envolvesse carros. 

Abrindo caminho pela rua há muito tomada pela natureza, faço uma varredura rápida do perímetro antes de continuar. O meu revólver me dá o mínimo de segurança, mas minhas mãos ainda tremem quando avisto qualquer movimento. 

Na maioria das circunstâncias, empunhar uma arma de fogo é a pior maneira de continuar vivo se levarmos em conta o que todo mundo sabe antes mesmo de aprender a falar: as criaturas escutam melhor que a gente, e elas vão atrás de você. 

Com isso, assumo minha culpa. Se o meu medo de confiar minha vida à curta distância de uma lâmina não fosse tão grande, as minhas chances de sobreviver aumentariam e muito. Acho que vou morrer pelo medo, não necessariamente pela causa dele. 

Meu casaco gruda na pele, encharcado pela chuva que atinge com força a cidadezinha em que estamos. Tendo perdido sua estrutura por causa de inúmeros outros temporais que a alcançaram ao longo do tempo, Haman está caindo aos pedaços, embora seja um desastre lindo. Sem dúvidas deveria ter sido um lugar agradável no passado, consigo enxergar algo próximo disso nos destroços.

Chan está do lado oposto da rua de modo que a percorremos em paralelo, uma maneira prática de cobrir um lugar sem receber tantas surpresas. Pendurada em sua cintura está uma faca longa que faz a minha parecer um brinquedo deslizando gotas de chuva na lâmina perfeitamente afiada. Uma lavagem prática, os riscos de sangue nela mal podem ser vistos agora. 

— Nada por aí? — Christopher questiona através do walkie-talkie.

— Só mato e insetos. Tem certeza de que os carros foram deixados a céu aberto? Se estavam mesmo em bom estado, com certeza alguém já deve ter levado. — Chan responde por nós dois, odeio falar do lado de fora.

— O registro foi há menos de uma semana, as chances de terem vasculhado a cidade são mínimas. Somos os primeiros, vai por mim. E quanto aquela mo-

Meu pé afunda num tronco podre antes que eu perceba, o barulho se distingue sob a chuva pesada como um trovão provocando um calafrio na minha espinha, o tipo de alerta biológico que deve ser obedecido de prontidão. 

Chan desliga o comunicador e se vira no mesmo instante em que um guincho ecoa pelo ambiente. Sei que estamos aterrorizados só pela maneira que ele saca a faca. Uma rua de distância, no máximo, mais próximo do que jamais gostaríamos. 

Ele me lança um olhar de advertência e aponta para o aparelho enganchado na alça da minha mochila que desligo imediatamente, Christopher deve ter questionado o barulho alto, mas não ouvi uma palavra. 

Aciono o cão do revólver, ainda o direcionando ao chão numa medida de autoproteção, e busco a fonte do som monstruoso outra vez.

Minhas pernas cedem assim que a criatura entra no meu campo de vista, sua figura distante não sendo o suficiente para eu determinar o estágio de evolução com exatidão. Encosto no carro que me encobre, ou a encobre, e aproximo o dedo do gatilho em ansiedade. 

Escondido na brecha de um portão quebrado, Chan parece tão nervoso quanto eu,  e então percebo que deixei algum detalhe passar. Ele me mostra a palma aberta, uma proibição não verbalizada que imobiliza meu corpo. Suas linhas amarradas confluem num rosto duro conforme a movimentação dos lábios dele constrói o verdadeiro terror.

THE LAST OF TWICEOnde histórias criam vida. Descubra agora