SANA
Através da janela, as árvores passam rápido demais para o meu cérebro processar, um borrão verde e amarelo eterno que mesmo o céu parece espelhar. É fim de tarde e todos os animais se retiram para suas tocas, o que nós também estamos tentando fazer.
Demorou quase um dia inteiro para sairmos daquela cidade. O carro não queria ligar, Jeongyeon disse que era por causa da chave há muito tempo na ignição e eu confiei no seu julgamento. A mulher mexe com máquinas o tempo todo na fazenda, sabe melhor que ninguém como essas coisas funcionam, mas, mesmo antes de seu conhecimento, eu confiei nela porque Jeongyeon é alguém com que se pode contar, e isso eu aprecio de coração.
Voltando ao carro, confesso que nunca consegui me acostumar com a velocidade de um deles, ou de uma moto, ou de qualquer coisa que ultrapasse os seres da natureza. Fico enjoada, mas nunca admitirei isso em voz alta, embora o meu rosto possa dar uma dica ou outra sobre isso. De qualquer jeito, a viagem deve acabar logo, já que, apesar dos percalços pelo trajeto, avançamos pelo acostamento depredado ou até mesmo invadimos a grama alta quando preciso.
Jeongyeon dirige bem, o carro não morreu até agora, o que considero um feito de mestre já que nenhum de nós tem familiaridade com automóveis porque, bem, eles fazem barulho demais e são difíceis de manter. Além disso, são artigos preciosos para gangues aqui fora, então preferimos restringir o uso dos poucos que temos ao espaço dentro da colônia. Algumas vezes, eles eram usados para transportar pessoas doentes ou feridas, mas hoje isso raramente acontece. Eu gostaria que o senhor Chou fizesse o pedido de transferência para uma colônia melhor, capaz de tratar sua condição, mas ele se recusa. É orgulhoso demais, como a filha.
De toda forma, não vejo a hora de chegar em casa e sair dessa lata-velha, o meu corpo agradeceria se conseguirmos alguns metros de pista contínua, acabamos de entrar em outro trecho muito ruim. Quero evitar me lamentar de novo quando o carro encontra um desnível e dá um tranco, jogando o meu ombro contra a lataria, o pessoal já tem problemas demais para lidar com a minha sensibilidade. Ainda assim, me remexo com desconforto no assoalho do carro, focando na minha própria respiração só para não ter que pensar somente no quanto mal consigo suportar as consequências de tudo.
Funciona, por enquanto. Começo a divagar, lentamente. Com as bicicletas presas por cordas no teto, sobrou algum espaço para as mochilas e algumas outras coisas que pegamos pelo caminho, mas sei que meus amigos estão se espremendo nos bancos. O espaço cedido para Christopher deitar na parte traseira não parece o suficiente, embora Mina esteja praticamente prensada contra a porta. Esse conforto todo que tentamos dar a ele não resulta em grandes melhoras, e isso me preocupa, já que Christopher é um cara forte, acostumado a se recuperar no dia seguinte.
Encosto a cabeça na parte de trás do banco, refletindo sobre. Pelo que me contou, ele foi mordido por algum animal pequeno na biblioteca, mas não sabe dizer ao certo qual, estava sonolento demais para prestar atenção. E agora, mesmo com o apreço que nutre por mim, ele não quer conversar. Prefere o silêncio, caindo no sono repetidas vezes, o que é estranho para alguém que nunca aprendeu a ficar quieto.
Um solavanco me pega de surpresa e falho em esconder a dor que corta o meu ombro quando volto a bater contra a lataria, remoendo a minha fragilidade incompetente.
— Aqui. — Tzuyu diz, oferecendo mais uma porção analgésica. Ela não está nada feliz por eu ter me colocado aqui e muito menos por eu ter dado todo o meu estoque curativo para Christopher, mas não reclama, está pegando leve comigo por conta do meu machucado, ou talvez por conta do inferno que passei.
— Estou bem, obrigada. — recuso gentilmente, desviando o rosto.
Ela balança o engrumado de ervas medicinais na minha frente, insistindo.
VOCÊ ESTÁ LENDO
THE LAST OF TWICE
FanfictionEm um mundo pós-apocalíptico, parece que nenhum lugar consegue se manter intocado pelo mal por muito tempo. Criaturas, assassinos e contrabandistas estão sempre à espreita para espalhar o caos enquanto a fome e o desespero devastam comunidades intei...