MILAGRE

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JEONGYEON

Alguém chuta o meu saco de dormir, é Tzuyu com o seu jeito bruto de ser. Mais cedo, quando os primeiros raios solares surgiram no horizonte, a voz dela surgiu no walkie-talkie para avisar que o grupo já estava se preparando para sair e me catar pelo caminho, então deixei a entrada do terraço destrancada para voltar a dormir enquanto eles não chegavam. Tzuyu detesta, diz que é descuido, mas eu confio na minha sorte — até hoje, ela quem mais me ajudou.

Ainda não estou acordada quando ela vem e me chuta de novo, resmungando sobre eu demorar demais para me levantar. Um poço de paciência, realmente. Se não tivéssemos nos tornado amigas, eu a empurraria das escadas sem remorso algum.

No entanto, sou impedida de reconsiderar a amizade no momento em que estou para chutar suas pernas. Uma voz mais compassiva que não escuto há dias me informa que o restante do pessoal está me esperando. Isso me faz apertar os olhos e apoiar o antebraço no chão para encarar a figura que tão logo reconheço.

— Não… — digo, sonolenta e desacreditada — Minatozaki Sana?

Ela sorri para mim e abre os braços, oferecendo aquele sorriso enorme. Copio o gesto, abraçando o seu corpo evidentemente mais magro sem me importar com a sujeira que o envolve. Também não tomo banho faz dias, então estamos quites. 

— Você parece bem para quem está do lado de fora, Jeongyeon.

— Eu diria o mesmo se não fosse mentira. — rimos, é um som estranho aqui.

— Já tive dias melhores, é verdade. Ao menos estamos vivas, não é?

Aceno com a cabeça. Esse é o ponto principal de tudo? Permanecer vivo?

— É… tem razão. — respondo, contraindo-me numa posição sem jeito quando decido abordar o assunto doloroso — Sinto muito por Yeonjun e por Chan.

Consigo ver em seu rosto a perda. Ela desvia o olhar para o horizonte primeiro, cruzando os braços e se recolhendo em desconforto. Esse mundo nunca vai nos acostumar com a dor, por mais forte que sejam as pancadas. Sofremos por todos aqueles que vão, é assim que sentimos que cada vida importa.

Pela altura do sol, são sete ou oito da manhã, luminosidade suficiente para uma viagem longa. O cheiro que a brisa traz sugere um dia sem chuvas, a bênção que a Mãe resolveu nos dar. Acompanho o olhar de Sana retornar para mim, devagar, como todos aqueles sentimentos deveriam estar se desenrolando dentro dela.

— Não banque a durona, você se formou com a gente. — diz, cutucando o chão com a ponta dos sapatos. Porque era amiga mais próxima de Chan, as perdas machucam mais nela que em mim e por isso aceito a repreensão — Também sinto muito. O paradeiro de Yeonjun não estava claro porque ele foi posto para despistar a horda, mas não há mais motivos para acreditar que ele conseguiu se salvar das criaturas ou — hesita, num calafrio quase imperceptível — daquelas pessoas.

— O sinalizador e o apito foram usados, Sana. — rebato, confusa.

Ela nega com a cabeça, oscilando o corpo para frente e para trás.

— Eu não acho que tenha sido ele.

— Não? Então o que…

— Hora de ir.

Atrás de mim, Tzuyu ergue a minha mochila com o saco de dormir embalado e acoplado, mantendo apenas o meu facão fora. Ela não parece satisfeita com aquela conversa, muito provavelmente pelas feridas recentes que são trazidas à tona. Mas foi necessário alguém falar dos amigos mortos porque é isso que eles se tornaram para Sana: nomes com significado, pessoas que cresceram com ela e foram arrastadas para a morte, não uma contagem de baixas numa missão.

THE LAST OF TWICEOnde histórias criam vida. Descubra agora