MEDO

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SANA

Se eu estivesse na colônia, pediria ajuda a um dos pequenos da matilha. Provavelmente MiMi, a menor da ninhada de beagles, que adorava caçar lebres e rastrear Tzuyu quando ela se metia no meio da mata por causa de um barulho estranho — era a menos propensa a me morder, embora Piccolo, um akita grande e robusto, fosse quase tão manso comigo quanto ela; talvez fosse influência da dona. 

Dou outra volta em torno da plataforma de metal que tenho como ponto de ancoragem, medindo a distância para me pendurar até a farmácia, ou o telhado dela, melhor dizendo. São uns cinco metros de desnível, o que é bom e ruim ao mesmo tempo. Bom porque nenhuma criatura conseguiria pular essa altura, ruim porque essa vai ser minha única garantia contra elas. 

Tive que deixar Christopher na biblioteca onde paramos depois de escaparmos por pouco através de uma fresta na parede da galeria e percorremos o caminho mais longo sem que ele tivesse todo o sangue para fora do corpo. Vasculhar o entorno sozinha em busca de mais material para tratar o corte era um pesadelo, ainda mais porque eu não fui feita para sobreviver sozinha.

Queria que Tzuyu estivesse aqui, ou Mina, ou Jeonghan, ou qualquer patrulheiro que soubesse como dar o fora dessa cidade sem ser comido vivo ou assassinado, mas quero sobretudo Tzuyu porque ela faz com que eu me sinta protegida sem qualquer esforço. Inspiro devagar conforme minhas mãos começam a tremer, não posso surtar de novo, vou morrer se continuar assim.  

Testo o nó impulsionando meu corpo ainda no topo do edifício, parece resistente o suficiente para suportar meu peso. Eu deveria estar abaixo dos sessenta, droga. 

— Só desça. — repreendo a mim mesma, tensionando a corda até que meus pés estejam firmes contra a parede de tijolos e, conforme me distancio do topo, posso jurar que estou escutando os passos da mulher que nos perseguiu. 

— Foco, idiota. — murmuro um resmungo, soltando um pouco da corda quando agarro outro pedaço. 

Horas atrás, um sinalizador cortou o céu com um rastro vermelho vivo seguido de um som muito conhecido na colônia. Era um indicador de emergência, o último sinal que temos disponível para chamar o resgate, como se houvesse resgate…

Não me sentia aliviada ou esperançosa, de toda forma. As possibilidades de alguém de fora ter mexido nas coisas de Chan, justo a pessoa que cuidava da comunicação do grupo, eram nem um pouco baixas. Sei que o equipamento na mochila dele emitia um ruído quase imperceptível quando acionado o pedido de socorro por ondas de rádio, mas tudo pode ser ouvido num silêncio momentâneo. 

Quando alcanço o telhado, estou pensando em Yeonjun sozinho nessa cidade, isso se ele ainda estiver vivo. Diferente dos outros patrulheiros, o garoto atua mais conhecendo o terreno e identificando ameaças que lidando com problemas, sejam eles uma noite de tempestade em campo aberto ou um inimigo à espreita. Está ficando frio, então espero que ele esteja aquecido. E vivo. 

— Bem, não foi tão ruim. — esfrego as mãos nas calças para aliviar a tensão, uma mania que acabei pegando de outra pessoa, e observo o azul denso se estirando pelo céu como se aquela tarde não fosse acabar. Ela ia, e em breve. 

“Gaze e esparadrapo, gaze e esparadrapo, gaze e esparadrapo…”. Repito até encontrar a maçaneta da porta trancada, provavelmente a razão da contaminação não ter chegado aqui em cima. Suspiro, deixando minha franja cair quando tiro os grampos que a prendem. Faz um longo tempo desde que precisei destrancar uma porta assim, mas não dá para perder uma técnica que já foi constantemente praticada. 

Ferrolho, cilindro, pinos. Uma sequência quase tediosa a essa altura, mas estou grata por não ter esquecido. Faço tensão nos mecanismos até a porta estalar com o clique de abertura e empurro com cuidado, espiando pela fresta antes de escancarar o que pode ser a última passagem que vou ver na vida. Muita gente já morreu assim, chutando portas com a morte dentro. Eu não quero mais criaturas ensandecidas correndo atrás de mim. 

THE LAST OF TWICEOnde histórias criam vida. Descubra agora