VAMOS PARA CASA, SIM?

106 13 0
                                    

TZUYU

Aperto os olhos na tentativa de enxergar melhor o caminho, torcendo para as nuvens escuras no horizonte não descarregarem aqui perto. A temporada de chuvas tem sido desonesta conosco, ela nunca se estendeu por tanto tempo assim. Com o piso escorregadio, as chances de sobrevivermos diminuiria significativamente na cidade, nem um pouco preparada para absorver as bênçãos da natureza.

Assim, no meio da noite, a biblioteca é um ponto isolado na rua escura. Erguendo-se como uma construção esquecida até mesmo pelo Novo Mundo, os poucos prédios que a circundam formam vias inconvenientes de fuga — e se o acesso parece complicado, a mobilidade é mais ainda. 

Murmuro uma oração à Deusa, ainda que eu não acredite em quase nada. 

— Essa foi a pior ideia que ouvi na vida. — Jeonghan resmunga, atraindo minha atenção. 

— Desculpe, você tem alguma? Porque até agora só descartou as que pensamos. 

— Minha ideia é não deixar a gente morrer, fazendeira. 

— Então sugiro que afie bem essa machete se nenhuma ideia te agradar. 

Entre a discussão dos meus melhores amigos, procuro por Mina que está sentada numa das saídas de ar do edifício como se estivesse em reflexão profunda. Ela não vai acalmar os nervos dos dois, embora seja melhor nisso que eu, então me sobra a tarefa desnecessária de apartar o que se tornaria uma briga logo, logo. 

— Ei, vocês. Qual o problema? — fico mais próxima, braços cruzados contra o peito. 

Jeonghan não responde de imediato, esperando um apoio que não vou dar. Em contrapartida, Jeongyeon foge de qualquer acanha enquanto caminha até a beirada do prédio e aponta para a rua mais abaixo. Preciso colocar uma mão à frente para que ela se mantenha longe de vista de qualquer observador, o aviso é entendido sem resistência. 

— Ali, do azul ao vermelho, consegue ver a rota? — diz, desenhando no ar uma linha cheia de distorções. 

Entre um carro e outro, a fileira engarrafada traça um padrão de continuidade que chega aos fundos da biblioteca e logo entendo a ideia de Jeongyeon. Arriscado demais, no entanto, pois mesmo no véu da noite, aquilo poderia dar errado com mais facilidade do que imaginaríamos. 

Inclino meu rosto em sua direção, ao mesmo tempo, agradecendo e lamentando sua intenção em ajudar. Jeongyeon é prestativa e altruísta, mas pouco sabe das armadilhas em que se esconde o perigo. Se ficasse do lado de fora por mais tempo, entenderia a loucura de seu plano. 

— É possível. — Mina diz de repente, caminhando até onde estamos. 

Franzo o cenho, questionando sua opinião, mas ela não é de tomar conclusões precipitadas, então apenas escuto o que tem a dizer. Embora o barulho descontente de Jeonghan expresse a mesma frustração que sinto, escutamos o plano perigoso… e suscetível de ser executado. 

Ao que parece, não é uma discussão. Mina compra a disputa por Jeongyeon, apostando tudo o que tem em algo que não se tenta à toa. Podemos resgatar Sana amanhã, quando a horda, com sorte, tiver se dispersado, ainda que eu me corroa por dentro. Andar no meio de tantas criaturas me arrepia, mas nunca admitirei isso.

— Pegue os pratos. — ela prossegue, acompanhando preocupada a saída de Jeongyeon. 

Peço silenciosamente que meu amigo a acompanhe e me agacho na beirada, observando a multidão reunida abaixo de nós. Nem com a colônia inteira daríamos conta de todas as criaturas, era até mesmo impressionante como tinham aparecido tantas num só lugar. Eu não tenho ideia de como os primeiros sobreviventes enfrentaram o dia do surto com o dobro ou o triplo de criaturas nas ruas, ou uma quantidade ainda maior do que eu conseguia imaginar. 

THE LAST OF TWICEOnde histórias criam vida. Descubra agora