ALMAS PERDIDAS

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SANA

Se as ondulações que meus pés criam na água mostrassem algo, elas revelariam a tormenta que quebra dentro de mim. Esse é um mundo sem esperança repleto de almas perdidas tentando encontrar o caminho de casa e, na situação em que estou, talvez eu seja a mais desgraçada de todas. 

Não sei como lidar com o vazio e temo que ninguém aqui o saiba, mas temos o medo para nos distrair e é ele o que me move agora, minha única força-motora, o motivo por eu ser capaz de me empurrar para frente, um passo atrás outro.

Estou de luto, isso é uma merda.

Acho que preciso comer, mas meu estômago revira quando lembro das criaturas tropeçando para devorar meu amigo, tantas que uma porção delas nem conseguiu tirar um pedaço de sua carne. 

Não o ajudamos, como poderíamos? Chan estava sangrando pela queda, irreversivelmente ferido, quebrado, e nem sequer parecia ter noção do que acontecia ao seu redor de tanta dor que estava sentindo. 

Christopher não me deixou ver a morte por completo, eu o agradeci por isso depois. Embora eu já tenha visto as criaturas se alimentando de humanos mais vezes do que gostaria, assistir à morte do seu amigo de infância pode arruinar a mente além de qualquer reparação. 

Já escutei histórias assim, pessoas enlouquecendo pela perda. É apavorante. 

Reviso o tambor do revólver checando se toda munição que restou está lá e enfio de volta ao coldre improvisado que Mina me emprestou. Gostaria de rir, mas não é o momento mais propício para usar humor ácido como alívio do estresse. 

Tenho dez balas — algumas ainda no bolso —, corredores inteiros de infectados e ainda ouso acreditar que vou conseguir devolver o coldre para a dona dele; é ingênuo demais até para mim. 

Christopher para de repente, quase me fazendo esbarrar nele, e minha cabeça volta a se concentrar no presente: ainda estamos perdidos numa parte da cidade repleta de criaturas monstruosas e até o momento não encontramos nenhum alimento pelo caminho, muito menos os vestígios certos para a localizar Yeonjun. 

— Escute.

Preciso forçar minha audição para suprimir o som contínuo de sofrimento até encontrar o provável ruído do qual Christopher está falando. Algo como metal em pedra, mas sutil o bastante para não chamar tanta atenção assim. 

— Acidente de chuva? 

Por saber que a natureza pode causar barulhos estranhos, especialmente em cidades que já foram urbanizadas, eu o questiono sem grandes pretensões. 

Antes, no período de treinamento, acontecia muito de eu confundir o que não é com aquilo que é. Se eu escutasse os grunhidos de certos animais que tentavam fugir de uma armadilha e não os visse, por exemplo, poderia jurar ser uma criatura e entrava em pânico, o que me tornou alvo de piadinhas por algum tempo. 

Ou, então, em dias de ventos fortes, pensava que o “tac-tac-tac” de coberturas soltas eram pessoas caminhando pelo telhado. Isso também me deixava em pânico, mais do que as criaturas. 

De qualquer forma, aprendi a controlar minha boca e dar palpites genéricos, o que me tornou uma sobrevivente medíocre mas livre de piadas. 

Esse é um dos motivos pelos quais fui excluída da carreira de soldado, se é que podemos dizer que existe algo assim nesse mundo, mas não estou incomodada; prefiro continuar me isolando na ala médica com Jihyo a conviver com um bando de pássaros idiotas.  

— Pessoas. — ele sussurra espreitando por uma barreira de proteção há muito esquecida e eu o sigo, agachada e em silêncio, orientando-me por suas passadas.

THE LAST OF TWICEOnde histórias criam vida. Descubra agora