XXIII

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Giovanna

O médico me disse que talvez eu poderia ter dificuldade de fixar novas memórias em minha mente. Sabendo disso, eu fiz questão de filmar a minha noite de ano novo nos mínimos detalhes. Passamos no apartamento de Alexandre, minha mãe, a mãe dele, Luísa e Eduardo, Yuri. Eu filmei a mesa, a decoração simples mas elegante. Eu registrei tudo, porque não queria esquecer de nada que dizia respeito às pessoas que eu mais amava.

E agora me encontrava revivendo aquela noite linda, cheia de carinho e respeito. Alexandre me surpreendia a cada dia com seu jeito cavalheiro de ser, sempre tão gentil, tão paciente.

O amor era assim.

— Gostou mesmo da nossa foto, não é? — ele disse atrás de mim.

Sinto o beijo em meu ombro e sorrio para ele. A foto em questão foi tirada pela minha mãe, típica coisa de sogra. Fez Alexandre sorrir, mesmo sendo quase impossível achar uma foto dele nas redes ou em qualquer lugar assim. Eu tinha foto dele sorrindo no meu telefone, achei esses dias quando tive coragem de encarar as memórias que não eram minhas. Achei nossa foto no show do Coldplay, e tentei a todo custo me lembrar daquele dia, sem sucesso.

— Achei linda, na verdade. — Alexandre me beija devagar.

A sala VIP do aeroporto estava gelada, o que por si só seria ótimo para acostumar ao clima canadense. Nos afastamos e eu volto minha atenção ao tablet em minha mão. O projeto estava pronto e ali, e eu sentia que nem ao menos deveria estar indo nessa viagem. Yuri fez tudo, eu não poderia ficar com o nome.

— Para de pensar. — ele falou como se já soubesse o que se passava em minha mente.

— Eu realmente não acho que deveria estar indo para o Canadá.

— Giovanna...

— Eu lembro de tão pouco desse projeto, Yuri que fez tudo, ele deveria estar indo no meu lugar.

Alexandre bufou.

— Para de ser tão dura consigo mesma, Giovanna. A ideia do projeto foi sua e todo o esqueleto foi você quem fez, Yuri só preencheu as lacunas, se não fosse por você, ele não teria feito bem feito, eu acredito nisso. E ele fez de coração, você sabe, não foi para ter o nome dele nisso.

Eu temia que os demônios de não me sentir digna para meu trabalho voltassem. Não, eu não tinha falado sobre Otávio no dia da clínica, e tudo que eu me lembrava de Otávio eu não queria falar. Quanto menos a gente, eu, pensasse nesse infeliz, melhor.

— Vamos deixar esse assunto para lá. — eu falo, guardando o tablet na bolsa, prometendo a mim mesma que daria uma última revisada quando entrasse no avião.

Ele sorri para mim de novo, tão facilmente convencido pelo meu jeito.

— Será que podemos falar então do segredinho que você e minha irmã estão guardando?

Sinto meu estômago flutuar. O assunto bebê rolava solto entre mim e Luísa. Ela ainda não tinha contado sobre a gestação para ninguém, acredito que ela me via como uma figura neutra que aconselharia da melhor maneira. Tinha medo também por ser recém formada, e temia que pensassem que já tivesse jogado sua carreira no lixo tão nova. Eu não consigo pensar assim, ao menos não agora.

Acompanhar a gestação de Luísa mexia comigo.

— Não é nada. — eu falo.

A vontade de compartilhar isso é grande, porque eu sabia que Alexandre ficaria radiante, ele me parecia o tipo de cara que enlouqueceria perto de uma criança. Compraria camisa de time, vários acessórios desnecessários só porque prometiam facilitar a vida da mãe, e todas essas coisas que homens completamente rendidos por crianças fariam.

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