Existem poucas coisas que eu carrego com carinho no meu peito. Sinto que não há espaço para muito. Acho que já sou 'muito' em muitos âmbitos da minha vida, e no que diz respeito aos sentimentos, gosto de carregar pouco, pois o pouco já me pesa. Uma das coisas que tenho entre átrios e ventrículos, é o cheiro dele cravado bem no fundos dessas câmaras que bombeiam vida para o meu corpo. Bombeiam o cheiro dele junto, a sensação que é estar ao lado dele. Ao lado, pois não posso estar com ele.
É ridículo pensar que há 2 anos sou apaixonada pelo meu chefe. E que há 3 meses está noivo.
O tempo acaba se tornando extremamente ridículo, ri de mim como quem vai em um stand-up ridículo no centro do Rio de Janeiro. Alexandre não fazia ideia de quem eu era, muito provavelmente não faz ideia do meu olhar, do jeito que aquelas tais câmaras que bombeiam vida por mim também apertavam um pouco mais rápido quando ele estava por perto.
Alexandre passava por mim como quem passa por um pedinte na rua. Ele era um homem naturalmente sério, aparentemente machucado pela vida, e perdidamente apaixonado pela noiva. Típico daqueles que atraem as mocinhas em filmes de romance complexos, em que o protagonista, sempre um milionário, tem várias bagagens pessoais, traumas com o pai e que perderam a mãe muito cedo. Alexandre se parecia bem com esses mocinhos.
Só que eu não era o par romântico dele. Na verdade, eu estava mais para a secretária estabanada que leva o café na hora errada. Entretanto, eu não era a secretária. Eu coordenava uma equipe modesta dentro da empresa de comunicação do meu poderoso chefe multimilionário – só milionário não daria conta de descrever o que eu imagino ser a conta bancária dele.
E não era isso que mais me atraia em Alexandre. De fato, não era nada disso. Esse calorzinho começou em um terça-feira qualquer, eu acho que tenho algo com terças-feiras, diferente do resto dos brasileiros, meu pior dia é sempre a terça-feira. Foi em uma terça-feira que meus pais se divorciaram, foi em uma terça-feira que meu irmão mais velho faleceu e foi em uma terça feira que eu levei meu primeiro pé na bunda. Foi em uma terça-feira que eu conheci o homem que não posso ter.
Derrubando café nele.
Não sou a moça do café, mas quis fazer uma cena de mulher coorporativa chegando com seu copo de Starbucks duplo, café preto superfaturado, que eu poderia ter feito e tomado em casa. Era meu primeiro dia, e eu de fato comecei como chefe dessa minha modesta equipe. Estava arrumada, um conjunto verde de camisa e calça, uma bolsa das mais caras, que eu usava em raras ocasiões, só para causar uma boa impressão.
Estava mexendo no celular – a maior imprudência que uma pessoa pode cometer ao andar, quase um ultrapassar de farol vermelho – quando senti a montanha de pessoa bater contra mim. O calorzinho que eu senti ao olhá-lo nos olhos não deve ter sido nada comparado à queimadura de terceiro grau que causei, e até hoje me pergunto como aquele café superfaturado não derreteu a camisa dele.
"Droga, Senhorita Antonelli, não olha por onde anda?''
Quer mais digas sobre como impressionar seu chefe? Conte comigo. Foi a primeira coisa que ouvi dele, foram as primeiras palavras que aquela voz rouca me disse por volta das 7 da manhã de uma terça-feira. Eu sei que as coisas ruins acontecem comigo em um terça-feira, porque foi nesse dia que ficou marcado o cheiro dele naquelas malditas câmaras. Na minha alma, me senti um gado chegando na fazenda do Rei do Gado, aquela marca que fica na pele já fazendo seu charme em mim.
Eu era uma mulher básica. Acho que ainda que por fora eu não queira parecer assim, eu sei que por dentro eu sou. Estou na casa dos meus 32, faço religiosamente minha rotina de pele, vou no salão ao menos a cada três meses retocar o acobreado dos cabelos, malho, pois eu sei que minha bunda não se cria sozinha e aquela pizza no final de semana sempre te cobra juros depois dos 30. Gosto de comédia romântica, acho que meu filme favorito é A Proposta, porque sou apaixonada pela Sandra Bullock, parei de ir a festas, sei que o vinho e o queijo me chama mais atenção hoje em dia.
