Três Desejos

Capítulo 11

Olhando através da janela do carro, para as ruas cinzentas e abarrotadas que percorríamos – com certa dificuldade – até a 5th Avenue, não pude conter o bocejo longo e intenso que deixou minha boca. Mal conseguira dormir naquela noite, pensando na conversa com Cassie na cozinha. E me deitar no mesmo cômodo onde tudo aconteceu provavelmente não ajudou, já que minha imaginação teimava em remontar a cena ao meu redor.

-Querido, você parece cansado. – a Sra. Harding se torcia no banco da frente para me encarar – Espero que o sofá não tenha sido muito desconfortável para você essa noite.

-Não, na verdade fiquei muito confortável – ok, era mentira, mas não era exatamente culpa do sofá – É só que eu costumo ter insônia quando viajo.

-Deveria ter me mandado mensagem. – Cassie também me encarava do outro lado do banco, de onde se inclinava para frente para me olhar além de Kal – Poderíamos ter assistido um filme ou algo assim.

-Você estava cansada, provavelmente acabaria dormindo. – respondi e ela ergueu as sobrancelhas.

-Sabemos exatamente qual de nós dois costuma dormir durante os filmes, senhor Atwood. – o tom acusador me fez sorrir.

Por duas ou três vezes, fizemos sessões de cinema no quarto das garotas, juntamente com Debrah e Liam, e o resultado era sempre o mesmo: eu dormia em menos de dez minutos.

-Não tenho culpa se o gosto de Liam para filmes é deplorável. – me defendi – Afinal, apesar de serem bem barulhentos, esses filmes de heróis não são exatamente surpreendentes.

-Você não gosta de filmes de heróis? – a voz do Sr. Harding era praticamente ultrajada e ele me encarava através do retrovisor.

-Oh-oh. – Cassie e a mãe disseram em uníssono, tentando conter o riso.

-Meu pai é o maior fã da Marvel que você vai conhecer na vida. – Cassie esclareceu quando dirigi a ela um olhar apreensivo.

-São obras de arte! – o homem disse animadamente, acelerando o carro por mais uns dois metros antes de parar novamente no trânsito intenso.

Durante o restante da viagem lenta pelas ruas da cidade, um agitado Sr. Harding compartilhava – muito detalhadamente – sua paixão pelo universo dos heróis e seus filmes e HQs favoritos. Kal, vez ou outra, repetia alegremente o nome de algum personagem mencionado, o que indicava que provavelmente compartilhava dos mesmos gostos do pai. Embora eu não fosse fã de heróis, e achasse as histórias bastante previsíveis, não pude deixar de me divertir com a conversa, esquecendo completamente do cansaço de poucos minutos atrás.

-Tudo bem, esperem no lugar de sempre. – A Sra. Harding falou através da janela aberta quando pulamos para fora do carro – Vamos estacionar e já alcançamos vocês.

Cassie assentiu com a cabeça, manobrando a cadeira de rodas robusta do irmão, que parecia um pouco perturbado com a pequena multidão que descia a rua.

-Ei, Kal – ela elevou um pouco a voz, cuidando para manter o tom suave – Vamos esperar por eles na loja de brinquedos que você gosta? Fiquei sabendo que chegou uma coleção nova de bonecos que você vai adorar.

Ele agitou as mãos, visivelmente empolgado com a ideia. A calçada era razoavelmente larga, mas a quantidade de pessoas a fazia ficar desconfortavelmente pequena, e os olhares incomodados que dirigiam a nós por ocupar um pouco mais de espaço com Kal era asqueroso.

-Aqui, deixa que eu levo. – ofereci, percebendo que a cadeira de rodas não era exatamente leve ou fácil de manobrar.

-Não, tudo bem – ela sorriu – Kal não costuma gostar quando estranhos o guiam.