Capítulo 1

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Não fazia ideia de quanto tempo havíamos ficado presos no trânsito entre o aeroporto e a cidade de Syracuse, mas quando finalmente o taxi virou a última esquina e eu pude ver o enorme e majestoso prédio do campus se erguendo de seu trono de grama verde esmeralda, um misto de felicidade, tensão e alívio envolveu meu coração. A última coisa que Anish havia me dito, com seu divertido e carregado sotaque árabe, antes de nos separarmos no saguão do aeroporto soou em minha memória: a América é para os que têm coração forte, e mente esperta para usar essa força. Posso ver os desejos em seus olhos, jovem Ethan Atwood. Deseje-os da maneira certa e eles virão até você, acredite.

De certa forma, podia quase compreender o que ele dizia, embora achasse engraçado o modo como ele parecia substituir a palavra "sonhos" por "desejos". Talvez algum equívoco de um falante não-nativo do inglês, ou algo do gênero. Além disso, ainda não tinha certeza do que significava desejar da maneira certa. Expulsei os pensamentos, tentando me concentrar em contar o dinheiro do motorista, que já começava a me olhar estranho pelo retrovisor. Malditos números.

Depois de alguns minutos constrangedores, me rendi às minhas limitações e entreguei uma quantidade aleatória de dólares ao motorista para que ele contasse, completamente consciente do risco de ser enganado em um país estrangeiro. A figura magricela, de cabelos tão louros que mal se conseguia ver e olhar carrancudo resmungou no banco da frente, separando as cédulas com uma agilidade que eu só podia invejar.

-Você não é um grande gênio da matemática, posso dizer. – ele rosnou, me devolvendo uma quantidade considerável de notas. Dei de ombros, sentindo o sangue se acumular no topo das minhas bochechas.

O ar fresco fora do taxi aliviou instantaneamente o calor no meu rosto. O clima de verão já começava a dar espaço à brisa fresca do início do outono, que varria as poucas folhas que caíam das árvores ao redor do campus. O sol já percorria a segunda metade de seu caminho diário em direção ao horizonte, e a paisagem começava a ter os primeiros tons de dourado. Mal podia acreditar que poucas horas atrás estávamos presos no pior trânsito que já vira, com buzinas e gritos furiosos de motoristas impacientes inundando as ruas da cidade de Nova Iorque. Tudo nessa cidade parecia tão calmo.

No fim, a calmaria não passava de uma ilusão. Antes mesmo de passar pelos portões, centenas de estudantes se embaralhavam ao longo de todo o campus. Conversas animadas, gritos empolgados e até mesmo algumas brigas aqui e ali, tornavam o lugar um tanto quanto caótico. Puxei minhas anotações do bolso lateral da mochila e verifiquei novamente as informações – dormitório número 9, ala masculina.

-Vou levar a noite inteira procurando nesse castelo imenso – pensei alto, correndo o mindinho pelo grosso e bagunçado tufo ruivo que eu chamava de sobrancelha.

-Perdido? – uma voz amigável chamou minha atenção e eu virei para encará-la. Uma moça alta e esguia, com grandes olhos negros e amendoados me olhava sorridente.

-Ah, sim. – sorri de volta, enquanto ela se aproximava – Acabei de chegar e ainda não conheço nada.

-Intercambista britânico, hein? – ela apoiou uma das mãos em sua cintura, que o top de algodão azul não se intimidava em deixar completamente à mostra.

-Traído pelo sotaque, eu suponho. – eu ri, desviando o olhar do rosto sorridente da bela morena.

-E pelas charmosas boas maneiras, sim. – ela riu abertamente, pegando o papel da minha mão e examinando – Ah, claro, os dormitórios. Ficam naquele prédio, é bem fácil de achar. – ela ergueu o braço, apontando para uma construção mais simples, à esquerda do castelo de tijolos vermelhos à nossa frente.

Três DesejosOnde histórias criam vida. Descubra agora