Prólogo

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-Senhor Atwood, sua poltrona fica neste corredor à esquerda. – a voz da sorridente comissária de bordo me forçou a levantar os olhos do chão – Desejamos ao senhor uma boa viagem!

Conferi novamente a passagem que ela me devolveu. Poltrona número 9-J, deve ficar mais ou menos na metade do corredor. Sempre que voo me pergunto por que as pessoas demoram tanto ao caminhar pelos corredores procurando seus assentos. Ora, as fileiras são em ordem alfabética. Quais as chances de você encontrar a fileira "S" na primeira metade do corredor, minha senhora? – encarei a nuca da idosa à minha frente – Além do mais, os bagageiros superiores são para malas de mão, não esse contêiner que a senhora está levando.

Suspirei ao finalmente me aconchegar em minha poltrona ao lado da pequena janela. O dia estava horrível em todos os sentidos: frio, vento e parecia que logo ia chover. Que bela despedida, Inglaterra, também vou sentir saudades. Balancei a cabeça, rindo dos meus próprios pensamentos, mais amargos que de costume. De fato, estava feliz de partir em busca do meu sonho de ser músico, mas era inevitável me sentir melancólico em deixar para trás tudo que já conheci. Meus tios, que me criaram depois que meus pais morreram, meus primos e amigos de infância. Formar-se no ensino médio não era tão doloroso para meus amigos de Bakewell, já que a maioria deles faria faculdade na Inglaterra. O mais longe que iriam seria Londres. Mas para mim era diferente, afinal um oceano inteiro me separaria de tudo que conhecia e amava.

E Brooke? – o pensamento veio do nada e me pegou de surpresa e eu fiz uma careta Só de lembrar da minha ex-namorada, uma mistura de sentimentos amargos começava a me apertar a garganta. Por sorte, a voz do piloto no rádio do avião calou a minha mente, enquanto ele dava algumas informações sobre tempo de viagem, clima e diversas outras coisas desinteressantes das quais minha vida provavelmente dependia.

Depois das orientações do comissário de bordo sobre outras coisas das quais minha vida também dependia – mas que não prestei atenção – finalmente estávamos no ar. O céu lá em cima era azul como eu jamais tinha visto. Nuvens redondas e fofinhas se espalhavam sob a luz do sol, fazendo tudo parecer uma linda pintura. Eu nunca me cansava da vista da janela de um avião. Quase que automaticamente, minha mão pescou o pequeno caderno amarelo no bolso interno do meu casaco, onde eu escrevia tudo o que capturava minha atenção e me inspirava, e depois usava para escrever minhas canções. Abri em uma folha em branco, apertando o botão da caneta que sempre carregava junto com o caderno, mas meus olhos fitaram novamente a paisagem do outro lado do vidro grosso.

Lentamente, meus pensamentos foram voltando aos meus sentimentos conflitantes. As lembranças da festa de despedida que fizeram para mim inundaram meus pensamentos e eu recostei minha cabeça na janela. Havia muitos sorrisos naquela festa, uma semana atrás. Meus tios, primos e amigos, todos se divertindo e conversando, me dando abraços de despedida e votos de felicidade, um atrás do outro, de novo e de novo, sempre sorrindo. Mas era impossível não notar a sombra de tristeza por trás de alguns dos sorrisos mais queridos. Aquele foi o dia que minha tia Augustine mais me mimou na vida. Fez todos os meus pratos favoritos, comprou presentes e se certificou de que nada me faltasse. Seu rosto estava tão radiante quanto no dia que soubemos que fui aceito no curso de música em uma ótima universidade americana, mas vez ou outra a flagrava secando lágrimas solitárias que insistiam em escorrer, enquanto tio Saul a consolava. Lágrimas que ela já nem tentou esconder no aeroporto, meia hora atrás. O sentimento de saudade já começava a apertar no meu peito.

-Esse é o choro de quem chega ou de quem parte? – a voz com sotaque carregado expulsou meus pensamentos e virei a cabeça para encarar o par de olhos negros e curiosos do homem de meia idade. Ele vestia uma roupa num tom bonito de amarelo, que contrastava muito bem com a pele escura, bem tradicional nos países árabes. O sorriso discreto era quase todo oculto pela barba espessa que já começava a apresentar alguns aglomerados de fios brancos. Sorri para ele também, enxugando as lágrimas que nem mesmo tinha notado que começaram a rolar pelo meu rosto.

-Estou indo embora. – respondi, e o nó na minha garganta apertou mais uma vez.

-Bom, espero que não seja arrependimento, então. – ele continuava a sorrir, me fitando com seus olhos interessados.

-Não. – me esforcei para alargar um pouco meu sorriso – Estou feliz. Consegui uma vaga na Universidade de Syracuse, então estou indo estudar.

-Ora, meus parabéns! – ele parecia verdadeiramente feliz e, por alguma razão, isso me animou um pouco – Deixe-me adivinhar: curso de música.

-Sim. – eu ri, um tanto espantado – como...?

-Eu o vi guardar o violão no compartimento. – ele apontou para cima com seu dedo rechonchudo, dando um sorriso travesso que o rejuvenesceu uns dez anos. Me peguei sorrindo verdadeiramente pela primeira vez naquele dia. – Eu sou Anish Baldev.

-Ethan Atwood. – apertamos as mãos brevemente.

-Lembrarei o nome do futuro astro da música. – ele sorriu novamente, acenando com a cabeça.

-E você, está indo aos Estados Unidos à turismo? – perguntei.

-Oh, não. – ele agitou a mão no ar – Estou regressando ao meu lar.

-Então você mora lá. – observei.

-Sim, é claro. – ele me olhou profundamente nos olhos – como poderia ser diferente? Se procura um lugar para realizar desejos, não há opção melhor.

-Realizar desejos, é? – pensei alto, me divertindo com o jeito dele se expressar.

-Ouça o que digo, meu jovem. – ele sorria para mim, mas pude notar algum mistério em seu olhar – Se desejar da maneira certa e acreditar, seus maiores desejos estarão ao alcance de sua mão.

Desejar da maneira certa? Não sabia exatamente o que aquilo queria dizer, mas por alguma razão, não senti como se precisasse perguntar a ele.

Durante o restante das oito horas e tantos minutos de voo entre Londres e Nova Iorque, Anish se entreteve assistindo a alguns filmes no monitor de sua poltrona, enquanto eu ouvia música em meus fones de ouvido, até finalmente cair num sono.

-Senhor. – a voz da comissária de bordo e seu toque no meu ombro me despertaram – Precisa colocar sua poltrona na posição vertical, por favor, já iremos pousar.

Endireitei-me no meu assento, recolhendo os fones que caíram das minhas orelhas enquanto dormia. Caramba, como o tempo passou rápido. Olhei para fora da janela, contemplando a enorme cidade que se estendia sob nós. Nova Iorque era realmente de tirar o fôlego, com todos os seus arranha-céus e seu ritmo frenético que se podia ver a tantos metros de altura. Para alguém que cresceu em uma pequena cidade como Bakewell, a vista poderia ser um tanto intimidadora. Mas o que eu sentia não era medo, e sim uma grande expectativa. Era como se olhasse para os meus maiores sonhos, bem diante de mim. Ou desejos, como diria Anish.

Virei a cabeça para encarar os olhos negros do homem. Ele me fitava com um ar de satisfação no rosto, erguendo as sobrancelhas rapidamente daquele jeito travesso que já vira antes. Sorri para ele e tornei a olhar pela janela, para a brilhante cidade que se aproximava lentamente.

Três DesejosOnde histórias criam vida. Descubra agora