Capítulo 8

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A cada chacoalhada da carruagem, Heitor sentia sua perna latejar de dor. Era uma dor como de uma mordida de lobo, não dos maiores, mas com dentes grandes o suficiente para fazer um estrago grande na perna. E para piorar, era como se os dentes continuassem ali dentro. O sangramento voltara por conta do sacolejar da viagem, e a parte de trás já estava bem suja com ele.

Isla se ajoelhou e segurou a perna do irmão no lugar. Pegou um pedaço de pano e cobriu-a, fazendo pressão para que o sangramento diminuísse. Não podia fazer um curativo decente até que a parte do chicote que restara fosse removida. Teria de suportar até chegarem à Arco Leste.

-O que foi aquilo? –Isla perguntou, irritada, os olhos voltados para Ivor.

-O que?

-Você o deixou morrer! Poderia tê-lo salvado, mas optou por não ajudar!

-Era a opção mais segura. –Ivor respondeu, dando de ombros. –E eu salvei você, é o que importa.

-Nem ao menos se sente mal por aqueles que morreram?! Não pesa ver um homem inocente assassinado?

-Minha intenção era te salvar, Isla. Lamento que seus amigos tenham morrido no caminho, mas não colocaria minha vida em risco, nem a sua, por eles.

Não podia tirar completamente a razão do irmão. Mas não se envolveu na discussão. Sua perna pulsava de dor.

-Perigo? Eu te conheço muito bem, Ivor! Já o vi lutar tantas vezes que perdi a conta! Treinamos juntos. E em todos esses anos, foram poucas as vezes em que o vi errar ao arremessar um de seus machados daquela distância. Não me fale dos riscos. Você não quis ajudar.

-Há outros fatores a se considerar. É fácil acertar um alvo imóvel, mas uma pessoa pode bloquear, esquivar e aí? Não posso simplesmente pedir outra chance de matá-la.

-Ele estava distraído, não o veria a tempo.

-Talvez. Mas não gosto de incertezas nessas situações. Se o prisioneiro teve de morrer, faz parte. Nós três estamos aqui, é o que importa para mim.

-Isso não o incomoda nem um pouco?!

-Por que deveria? –Ivor perguntou, começando a se exasperar.

-Porque era uma pessoa inocente Ivor, morto por uma decisão louca tomada por um homem insano! E nós podíamos ter evitado! Podíamos ter ajudado eles, mas ambos estão mortos.

-Quantos inocentes não já morreram durante os anos com essa guerra infeliz? –Ele perguntou. –Não a vi assim perturbada por cada morte que presenciamos. Agora quer que me sinta culpado porque o prisioneiro morreu? Não terei pena dos seguidores desse credo nojento que não nos trouxe nada de útil. Se um deles aparecer para realmente dar fim à toda essa confusão, ou pelo menos ajudar, será de algum valor. Até lá, não merecem o meu suor, muito menos o meu sangue.

-Então por que me salvou? Faço parte do mesmo credo nojento daqueles que morreram hoje! Condene-me a execução como eles foram condenados, irmão. Deixe-me ir sozinha para onde eu quiser ir, já que me acha inútil! Pode se ocupar de lutar essa bendita guerra pela cidade que tanto preza proteger.

-É diferente.

-É? Por quê?!

-Porque você é minha irmã.

-E se eu não fosse? Minha vida deixaria de ter valor? Não teria o direito de escolher em que acredito? Valeria mais como um corpo a ser enterrado numa vala do que uma pessoa com aspirações e medos? Você nos julga com base em seu passado, em uma experiência ruim que teve com um de nós. E por isso se acha no direito de nos ver mortos? Que bem fará ter todos os aprendizes trucidados? E o que você conseguiu de tão melhor do que nós durante o tempo que passou lutando na guerra? Não conseguiu acabar com ela, conseguiu? Não trouxe paz ao reino. Agora quer que inocentes morram para que essa paz seja alcançada?

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