PRÓLOGO: ESCURIDÃO E FOGO

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O INÍCIO DO FIM DO FIM

O relógio virou de onze e cinquenta e nove para meia-noite...

... E o que se seguiu foi a escuridão!

Barulhos estranhos; o brilho azulado de fios em curto perto do pequeno gerador que estava ao lado do palco. Labaredas eclodindo nas trevas, subindo pelas cortinas, espalhando-se pelos móveis...

- Ai meu Deus, tá pegando fogo!!!!

As chamas começaram a aparecer não apenas dali, mas de todos os lados e nos três andares da casa; entrando rapidamente pelos quartos, consumindo tudo ao redor, iluminando a escuridão com sua luz de morte. Emanando do fogo, a nuvem de fumaça começa a subir, instilando o medo e o desespero. O fogo rapidamente toma conta de todos os andares. Homens e mulheres do terceiro andar, isolados pelo fogo no segundo, quebram as janelas e começam a pular. Alguns alcançam a piscina, outros, a indiferença sólida do chão, onde sentem partirem os seus ossos: os braços, os punhos, as costelas, as pernas, a cabeça. Não demoram a aparecer pessoas pulando em chamas. Pessoas começam a descer do segundo, tateando e tropeçando no escuro, fugindo do incêndio lá em cima, para encontrar fogo e fumaça também embaixo. 

A fumaça logo se transforma numa névoa espessa, subindo pelas janelas até o céu, transformando-se numa enorme nuvem espessa sobre a mansão. Dentro, ela penetra nas pessoas, através das narinas e da boca, irritando os olhos, sufocando a garganta e os pulmões. Alguns procuram apoiar-se tossindo convulsivamente, enquanto outros caem desmaiados, sem ar. A maré humana, alvoroçada, desesperada, aglomera-se e precipita-se correndo de todos os cantos em direção à porta principal, aos empurrões... 

Ao chegar:

- Tá trancada! – alguém diz.

- Puta que pariu! Ai meu Deus trancaram a gente! Deixaram a gente aqui pra morrer meu Deus!

 - Eeeei! Alguém! Aí fora!

- Eeeei! 

Abre aqui!

- Derruba essa porta! Anda! 

Corpos comprimem-se contra a porta. Mãos batendo fortemente, mas as portas, grandes, fortes, resistentes, mantinham-se quase imóveis, indiferentes às batidas das mãos, aos empurrões e aos chutes. 

Ela olhava o caos desabrochando diante de si...

Atônita. 

Nada daquilo parecia ser real. Uma onda de pavor e culpa percorreu seus nervos: mãos, braços e pernas tremendo, seu estômago revirava-se, causando-lhe náuseas. Os olhos lacrimejavam irritados; mantinha as mãos na boca e no nariz, mas não podia deixar de inspirar, involuntariamente, a fumaça que entra até os pulmões e é imediatamente expelida tosse. Os olhos ardiam; a tosse vinha cada vez mais em ondas violentas, pressionando as costelas, rasgando a garganta. O calor logo atrás de si, à sua esquerda... tenta correr... outros esbarram ao seu redor e à sua frente, comprimem-na. Os empurrões que se seguem são mais fortes e violentos, contendo seus movimentos, comprimindo seu corpo. 

O fogo aproxima-se mais e mais. 

Finalmente ela consegue se desvencilhar das pessoas ao seu redor e afastar-se do fogo, mas não consegue fugir da pesada camada de monóxido de carbono que paira no ar, aumentando a sensação de sufocamento, afogando-a. Continua a tossir. Tontura. Cai de joelhos, procura apoiar-se com as mãos no chão. 

Abaixa-se. 

Tosse convulsivamente. 

Tenta tirar forças para levantar, mas não consegue. Sua visão está turva, lágrimas enchem-lhe os olhos irritados e vermelhos... tudo começa a girar... vai perder os sentidos... só espera agora que morra antes, sufocada com a fumaça e que, quando as chamas chegarem até ela, não esteja viva para sentir sua carne ser consumida pelo fogo. Sim... se tiver uma boa hora para morrer seria agora. Tudo iria acabar. A sensação de sufocamento, o calor, o medo, a pressão das pessoas caindo sobre ela, pisando em suas mãos, seus pés e suas pernas.

Está semideitada, quase sem sentidos. 

"Chegou a hora!" – diz para si mesma.

- Gente – diz uma voz que parece vir de longe –, parece que conseguiram derrubar a porta ali do outro lado...

Sente a maré de pessoas correndo à sua direita. Talvez haja esperança. Não! Ainda não era hora de morrer! É preciso lev.... 

Tropeça. Cai. Deita quase inconsciente. Tudo começa a ficar escuro, as últimas forças estão se esvaindo, as vozes vão ficando mais e mais distantes... 

- Cris... LEVANTA! ANDA! Era a voz de Fulô, sua amiga de infância, vestida numa fantasia de guerreira. Era da protagonista de uma série que assistiram na adolescência, mas que agora ela não lembrava. Seu rosto maquiado de dourado, o cabelo crespo, com um penteado virando o cabelo para o lado direito; o olhar lhe era tão familiar, vinha dos dias de infância; lhe parecia tão bonito, especialmente agora, enquanto as lágrimas dela iam deslizando sobre a pele negra da sua face onde via o seu olhar aflito. A última coisa que lembraria antes de perder os sentidos é das mãos da amiga segurando seus ombros, balançando-a enquanto a fumaça ainda sufocava sua garganta.

FESTA DE HALLOWEEN - VOL. 1 DE PERDIDAS NUMA NOITE SUJAOnde histórias criam vida. Descubra agora