CAPÍTULO 4: A PRINCESA GUERREIRA

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20:30

TRÊS HORAS E TRINTA MINUTOS PARA O INÍCIO DO FIM

Fulô encarava o reflexo, à sua frente.

Ainda tentava acostumar-se com ombreiras de plástico sobre as alças do corpete. Haviam detalhes de dourado nelas, também no entorno dos seios e na saia que era feita em longas tiras que saiam da cintura. Também eram dourados os adereços nos braços e nos detalhes dos dois grandes braceletes que tinha nos pulsos. À primeira vista ela parecia ser a versão feminina de um legionário romano, mas, na verdade, ela era Xena: a princesa guerreira. A protagonista de uma série de T.V que ela assistia quando criança.

Xena era tudo que Fulô gostaria de ser: corajosa, determinada, e, mais do que tudo... alguém que sabia se defender. Não precisava de ninguém que a protegesse da maldade das pessoas ou que lhe tirasse de encrencas. Ela queria ser Xena, mas, no fundo, via-se mais parecida com Gabrielle, a companheira de aventuras da heroína. Quando experimentou a fantasia pela primeira vez na loja de um amigo que alugava fantasias como aquelas, sentiu um doce sentimento de nostalgia, marcado por aquela dubiedade entre o desejo de ser alguém e a sensação de que, na verdade, sua personalidade pendia para aquela outra personagem.

Enquanto revivia esse sentimento experimentando a fantasia, Josias, o amigo que trabalhava na loja e que lhe arrumou a fantasia, começou a relembrar com ela alguns episódios onde Xena sempre terminava salvando Gabrielle dos problemas em que se metia. Fulô complementava citando a ocasião de outro episódio, sempre deixando claro como a passividade de Gabrielle nas primeiras temporadas da série a irritava e se perguntava porque, mesmo depois, quando ela aprendeu a lutar, ela sempre era a mais fraca. Foi a certa altura que Josias disse-lhe Gabrielle tinha de ser daquela forma porque, na narrativa, ela era uma sidekick:

"- Que é isso?" - perguntou ela curiosa.

"- Sidekick é o parceiro do herói, tipo o braço-direito dele. Sabe, o Robin do Batman?"

"- Sim... sei!"

"- Pois é... o Robin é um sidekick. Um assistente. Aquele que... "

"- Que sempre leva porrada, né? Se coloca em perigo pro herói vir salvar depois... "

"- Mais ou menos isso - disse ele sorrindo - Na verdade o sidekick tem também uma função narrativa importante. Ele é representa a figura do espectador na história".

"- Ué? Como assim? "

"- Através do sidekick nós conhecemos o lado mais humano do herói, porque é com ele que o protagonista divide seus pensamentos, diz o que está sentindo. Ele confronta o herói, questiona suas atitudes, seus métodos... é através dele que o espectador dialoga com o protagonista, mas também, ele tem a função de tornar o protagonista mais humano, mais próximo de nós".

Relembrando a conversa enquanto se maquiava aquela história de sideckick parecia pura conversa fiada. Nas histórias os parceiros - ou sidekick, como Josias gostava de chamar - sempre eram chatos, fracos, passavam tempo só falando besteira e se metendo em confusão. Exatamente como Gabrielle. Na mente de Fulô, as pessoas também eram assim na vida real. Haviam aquelas que se impunham, que iam para a briga e que lutavam e haviam aquelas que eram passivas, acomodadas... essas sempre levavam a pior. Por isso ela não queria ser Gabrielle, ela queria ser Xena! Talvez um dia pudesse aceitar uma sidekick em sua vida, mas não queria isso para ela.

Contudo, por mais que quisesse ser como Xena, algo dentro dela nunca a fazia esquecer que, em toda sua vida, ela sempre havia sido Gabrielle: uma garota fraca, cujas coisas que dizia nunca eram levadas à sério e que sempre precisava de ajuda para sair das encrencas em que se metia. Ao ver-se naquela fantasia, desejava mais do que tudo que, apenas hoje, ela fosse aquela que aparecia no espelho, Xena!

FESTA DE HALLOWEEN - VOL. 1 DE PERDIDAS NUMA NOITE SUJAOnde histórias criam vida. Descubra agora