Capítulo 3

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Evangeline deveria se acostumar com a suntuosidade de sua nova casa. Mas, como poderia fazer tal coisa, se não se sentia em casa? De repente, aquele lugar, aquelas paredes, pareciam uma prisão. Mal passara dois dias e ela sentia que algo estava errado. Além do fato de que Apollo não a deixava sair de sua vista.

Andou pelos corredores, vendo os guardas que a ignoravam, mas pareciam espreitá-la a cada passo. Sentia-se claustrofóbica. Como sentia saudades da loja do seu pai. Da rotina que tinha com os artefatos peculiares. Tudo ali em Paço dos Lobos lhe era diferente. Estranho. Não que estivesse sendo ingrata, afinal, era um conto de fadas acontecendo em sua vida. Apesar disso, sentia que algo não se encaixava. Um imenso vazio a assolava, além de não compreender as atitudes de Apollo. Ele parecia tão extremado, ao mesmo tempo que sempre olhava ao redor, quando estavam ao ar livre, parecendo prever que algo fosse acontecer a qualquer momento. O que a fazia questionar o que de fato havia acontecido consigo. Ele parecia tão preocupado com sua segurança, não permitindo que ela saísse do palácio. Dizendo que estaria melhor ali, aos cuidados dele e dos guardas.

- Você disse, um acidente, príncipe? – ela perguntou, naquela manhã, enquanto andavam pelo jardim, coberto de neve fresca.

Usava a capa para apartar o frio cortante. Olhou ao redor, vendo as árvores balançarem pelo vento. Procurava algo. Alguma coisa, por entre as árvores, mas o que? O que estava buscando? Ou melhor, quem? Notou que estava sendo observada. Olhou se soslaio e viu como Apollo a fitava, com um ar solene. Desviou o olhar para os pés. Aquele rapaz não transmitia a segurança que dizia desejar a ela.

- Sim, um acidente, Eva – disse, com tanta familiaridade, como se a conhecesse há tempos. O que ela não daria para saber como se conheceram. Como se apaixonaram. Queria tantas respostas, que não lhe vinham. Sempre que tentava se lembrar de Apollo, ou que acontecera em sua vida, sentia uma intensa dor de cabeça – Estávamos indo para nossa lua de mel e aconteceu um acidente – Explicou novamente, parecendo um tanto impaciente. Ela notara como ele apertava os punhos, um tanto irritado. O que a deixou em alerta. Por que ele parecia tão irritado? Não deveria ser carinhoso e amoroso com ela? Afinal, era seu esposo – A carruagem virou e você bateu a cabeça com força. Por isso, deve ter se esquecido de mim, do casamento, de nós...

Permaneceu em silêncio então. Ela notou que seu olhar era dolorido, como se estivesse realmente sofrendo. Talvez, estar irritado não queria dizer que não a amasse. Apenas que aquela situação deveria deixá-lo também abalado. Se a pessoa que ela amasse a esquecesse, ela sofreria grande abalo. Ficaria perdida. E sentia isso, com relação a Luc. Ainda sentia que o amava e se sentia tão culpada. Tinha um esposo que a queria muito e ela estava ali pensando no rapaz que namorara.

- Eu sinto muito perguntar novamente, princi...Apollo – Testou seu nome de batismo, por mera obrigação, pois ele insistia que ela o chamasse assim – É que isso para mim é muito novo. Deve compreender que estou me acostumando com essa nova vida.

Escutou então, galhos se partindo ao longe. Procurou ao redor quem mais poderia estar dentro daquele jardim particular. Poderia ser um guarda, mas, pela forma como Apollo colocou a mão no cabo da espada, não deveria ser.

- Eva, volte para o palácio – ordenou – Não estamos seguros.

- Não estamos? – perguntou em tom desconfiado – Disse que aqui seria o lugar mais seguro para mim.

Ele a fitou com impaciência, então. Seu olhar parecia demonstrar que não aceitaria um não, nem uma discussão com ela. Na verdade, toda a doçura que demonstrara para com ela, havia partido. Apenas via um desconhecido, diante de si. Algo que parecia disposto a tudo. E isso a assustou.

- Vá para dentro, Evangeline. Não me questione mais.

Ela o fez. Deu meia volta em seus calcanhares, quase caindo. Equilibrou-se, puxando mais a capa vermelha sobre si e correu. Mas, não foi para o palácio, como ele ordenara. De fato, não faria o que ele estava pedindo. Não confiava nele. Não se lembrava dele e por isso, sentia em seu íntimo que algo estava errado.

Percebeu que pela primeira vez, se sentia em perigo. Nunca em toda sua vida sentira tal sentimento. Sempre confiara nas pessoas. Sempre acreditara no melhor delas, mas, daquela vez, algo mudara dentro de si. Então, seguindo pelo caminho de entrada do palácio, seguiu pelos arbustos, se abaixando, para poder enxergar o que Apollo estava fazendo. Ela pode vê-la entrar na floresta, com a espada empunhada. Em seguida, escutou uma risada. Seu corpo inteiro se arrepiou involuntariamente pelo som. Era um riso sardônico. Masculino. Um tom barítono. Ela se equilibrou para ver melhor quem era o dono daquela voz. Abaixada ainda, tentou ver quem estava ali.

Apollo veio em seguida, para fora da floresta, empurrando-o para frente, usando a espada, que estava bem próxima ao pescoço do rapaz. Ele tinha cabelos loiros, de um tom dourado. Parecia um anjo. Ou melhor, parecia um arcano. O mesmo que já vira antes, em seus sonhos. Piscou algumas vezes, pensando estar enlouquecendo. Como aquele rapaz poderia ser real? Tinha as mesmas vestes. O gibão cor de vinho. As calças de montaria. O mesmo olhar irônico, com um sorriso afiado.

- Pensou que eu não o encontraria por aqui? – Apollo trovejou, empurrando o rapaz, que caiu no chão, pelo impacto.

Ele apenas rira, como se não fosse nada, se colocando de pé com a agilidade. Apollo deu um pulo para trás, com a espada empunhada. Seu olhar era feroz.

- Não se preocupe, príncipe Apollo. Não vim desfazer o que você fez. Mas, queria saber, quais são suas intenções agora?

Evangeline queria ir até eles, quando escutara o rapaz que parecia um arcano dizer que Apollo havia feito algo. Mas, o que ele havia feito? Seria algo grave? Contudo, permaneceu parada, estática. Não conseguia se mover, na verdade. Era como se algo invisível tivesse acorrentado suas pernas.

- Minhas intenções? – repetiu Apollo, em tom zombeteiro – Isso não lhe diz respeito. Esse é meu reino. O reino do norte não vai mais permitir criaturas como você.

- Ah, é mesmo? E você acha mesmo que pode fazer algo contra nós? Pff...pobre príncipe. Pobre Evangeline.

Então, riu. Parecia um som de certa forma, triste. E ela sentiu seu coração doer. Parecia doer tanto. Em seguida, notou que o olhar dele vinha em direção a ela. Ele sabia! Ele sabia que ela estava ali, espiando. De repente, suas pernas voltaram a funcionar. E ela caiu sentada na grama. Com medo de que ele denunciasse sua presença, ela se levantou e correu para o palácio, sem olhar para trás. Estranhamente, seu coração retumbava em seu peito. O olhar dele. Aquele olhar parecia queimá-la de tal forma, que ela não conseguia respirar. E talvez, não conseguisse, por um bom tempo.

Parou de correr, assim que alcançar os corredores externos do palácio. Em sua mente, veio a conversa que escutara entre Apollo e o rapaz misterioso. Logo percebeu que ele havia dito seu nome. O que era estranho. Eles não se conheciam. Tinha certeza disso. Então, quem era ele? 

Um final feliz - Era uma vez um coração partidoOnde histórias criam vida. Descubra agora