Vontades

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Abri os olhos quando aquele toque familiar e aconchegante passou zumbindo em meu ouvido. Meu olhar se demorou naquelas brancas e finas camadas de tecido macio.

O cheiro que emanava era maravilhoso.

Esfreguei meu rosto contra o travesseiro, levemente, me acostumando com o lugar. Estava em um quarto.

Apoiei os braços contra o colchão e me sentei, conhecia aquele quarto quanto tão bem conhecia o meu.

Então sem minha permissão, as memórias do meu eu retornaram como um terremoto, me fazendo ofegar.

Fechei os olhos com força e respirei fundo.

Está bem.

Está tudo bem agora.

Eu estou segura.

Eu estou curada.

Olhei para as pontas de meus dedos que tremiam levemente.

Inspirei e expirei repetidas vezes, afastando para longe os flashes de cenas agonizantes, do metal rasgando minha pele, do fogo, da água... Dos olhos...

Apertei as mãos com força, e recitei baixinho o que recitava para mim quando sentia que estava enlouquecendo.

- Eu sou filha de Morgana, irmã de Dylan, sou filha de uma mulher incrivelmente forte e de um irmão de coração valente. Meu sangue carrega o legado deles tanto quanto carrega o meu. Meu nome é Sol de La Calle e eu estou bem.

Repeti isso inúmeras vezes, como uma oração silenciosa, até que as vozes da minha cabeça foram se silenciando.




Então abri os olhos...
Virei meu rosto para a janela, para a cidade que acordava com o recém nascer do sol...
...Era tão lindo quanto eu lembrava. As cores... Como eu senti a falta delas...

(Cough, cough)

O barulho da tosse me assustou, movi minha cabeça na direção daquela voz rapidamente, sentindo meu cabelo bater logo em seguida conforme meus olhos analisavam aquela criatura disforme em frente a minha cama.

- Esta forma é adequada para você agora?

Uma voz grossa e penetrante escapou daquele ser desfocado todo em branco, havia também algumas manchas pretas em sua... Pele?

Franzi as sobrancelhas.

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Eu morri?

- O que? Não conseguiu se lembrar de mim ainda? Será que minha forma mudou tão drasticamente desde a primeira noite que nos conhecemos?

Em um segundo sua figura surgiu ao meu lado da cama, como se tivesse se teletransportado... Sua mão clara se estendeu tentando alcançar meu rosto.
E em reflexo a afastei com um tapa.

A palma dele paralisou no ar junto com seu corpo.

Tentei ler aquele rosto que nem olhos havia. Um pensamento vagou pela minha cabeça naquele momento.

- Não se lembra de mim? Sou eu o mancha!

Pisquei, surpresa.
Realmente surpresa.
Ele não era uma alucinação de uma bebedeira...?

Seu corpo se ergueu sobre o meu. Sua cabeça levemente curvada para o lado.

- Eu disse que iria te buscar quando meu corpo estivesse no devido estado adequado para seus gostos não disse? Fico entristecido que esqueceu...

Suas mãos então se voltaram a me cercar pelos dois lados da cama.

- "Abdomen definido, forte, inteligente, gentil e que seja bom na cama." Acho que cumpri meu papel muito bem não concorda?

Agua e veneno~ Miguel O'haraOnde histórias criam vida. Descubra agora