Acordei por instinto, ouvindo um gemido vindo do quarto ao lado do meu. "Vovó!" , saí correndo do quarto, era como se fosse um gritinho sufocado, como se a pessoa estivesse sem ar, tentando respirar.
– Vovó! - eu abri a porta do quarto e a vi tremendo na cama, de boca aberta e os olhos abertos olhando para o teto - Meu Deus! Vovó! Levante! Eu... - comecei a pensar, muito lentamente. Naquela situação meu coração estava batendo tão forte que eu mal conseguia ouvir meus próprios pensamentos. - Vou ligar para a emergência!
Voltei correndo ao meu quarto e peguei o celular em cima da bancada, com minhas mãos tremendo assustadoramente. Disquei cautelosamente para não errar os números (mesmo sendo poucos).
– Alô?
– Alô! Com licença minha avó está quase morrendo eu não sei o que ela está tendo ela está tremendo!...
– Certo, acho que entendi, responda mais lentamente agora: Onde você mora?
– Rua dos Anjos que Cantam, número 577, venham rápido, por favor!
– OK, chegaremos em torno de dez a vinte minutos!
Foram mais de vinte minutos, pelo menos em minha mente, aquilo foi quase que uma eternidade! Fiquei paralisada, sem saber o que fazer, olhando para vovó, tocando sua mão... Eu estava em "estágios" - primeiro: ficar paralisada sem saber o que fazer; segundo: ficar andando de um lado para o outro da casa, sem saber o que fazer ainda; terceiro: pegar sua mão e começar a falar palavras carinhosas como "eu te amo" e "tudo vai ficar bem" .
Levaram-na em uma maca, não prestei muita atenção, eu estava em um grau de pânico altíssimo, mal conseguia pensar, ainda mais com aquela sirene barulhenta - com ela, meus vizinhos correram para as janelas para verem o que estava acontecendo e depois, provavelmente, fofocar sobre o assunto.
Ah, meu Deus! Era minha vó Gabriela! A pessoa que me ensinou tantas coisas. Tão sábia. A mulher que cuidou de mim por anos e anos. Quem me mostrou como errar e como acertar, como se levantar. Tirou uma enorme parte de minha ingenuidade e me fez perceber tantas coisas... Isso não podia estar acontecendo!
Fui com vovó até o hospital, naquela pequena ambulância, mal conseguindo vê-la naquele estado. Os médicos me deram uns dois ou três calmantes, já que eu não conseguia ficar parada, sempre rodopiava meus olhos e mexia minhas mãos problematicamente por causa da ansiedade, que estava também em um grau altíssimo. Harry sempre me acalmava em momentos de tensão e pânico. Mas agora ele não estava aqui. Jim não estava aqui. Eu estava ali, e naquele momento, remédios não iriam fazer muito efeito. Eu tinha a mim mesma. Então parei, fechei os olhos e pensei em Harry.
"Não fica com medo, Camila. Vai ficar tudo bem, calma, calma..." Imaginei Harry falando-me isso e sorrindo. O que me acalmou bastante e me deixou mais instável. Em situações mais dramáticas, Harry se deitava no meu colo e deixava-me tocar seus cachos, fazendo um cafuné em sua cabeça. Esses momentos me fazem tanta falta...
A própria voz dele me acalmava e encantava. Acho que se Harry não fosse gay, eu e ele estaríamos namorando mesmo.
Celular vibrando em meu bolso. Jim. "Bom dia" . Não respondi. Nem se quisesse eu conseguiria responder.
Minha mente saiu daquele ambiente. Daquela ambulância que estava em alta velocidade - e foi para o céu, onde tentei ficar mais tranquila e pensar mais devagar.
"Harry..." - uma lágrima caiu de meus olhos fechados e minha boca continuou tremendo, o que fez um dos médicos desviar sua atenção para mim por alguns segundos - "Por que você não está mais aqui?"
...
Quando notei, já estava na sala de espera, com poucas pessoas sentadas nas dezenas de cadeiras - de umas trinta cadeiras, seis estavam sendo ocupadas. Não soube como não desmaiei naquela ambulância. Foi um tremendo caos para mim, assim como meu mundo estava esses dias...
Por que tanta tragédia estava acontecendo na minha vida? O que eu fiz?
Olhei para o relógio a minha frente - a alguns metros de distância. Duas e cinquenta e nove da tarde. Faltavam exatamente cinquenta segundos para dar três horas. Meu celular vibrou. Jim - de novo. "Está tudo bem? Onde você tá?"
"eu tô bem, Jim. tô no hospital com a minha avó" , respondi, com pouca vontade.
"Está tudo bem? Você se machuchou?" , ele me perguntou; e logo depois respondi: "eu estou bem, minha vó que não está" . "Em que hospital vocês estão?"
"no que eu sempre vou com ela para fazer seus exames mensais" , respondi, e logo depois ele me fez outra pergunta, sempre atuando como meu pai, "Quer que eu vá aí?" ...
"quero" - eu sinceramente não sabia, mesmo, se aquela preocupação toda comigo (e talvez com minha avó) era pena de mim ou não.
O homem de jaleco branco com verde claro, calça branca, tênis branco, barba e cabelo - também - branco abriu a porta enquanto eu abraçava Jim - um abraço que já durava em torno de uns minutos. Levantamos e olhamos fixamente para ele, atentos.
– Bom... - ele começou - Fizemos alguns diagnósticos "precoces" e descobrimos que a doença de sua avó piorou... - ele fez uma pequena pausa. - Ela terá que vir ao hospital semanalmente durante três a cinco meses, dependendo do modo que ela vai reagir.
– Mas, doutor... - olhei para o crachá dele, não me preocupando muito em disfarçar. - Hudson - era um nome que eu nunca tinha visto, até aquela hora -, minha avó ficará bem, não é?
Ele me olhou com uma expressão não muito alegre e disse:
– Ela está pior do que antes, para ser franco, bem pior. Terá que tomar mais remédios diariamente... E conto com você para auxiliá-la - é... Esses remédios e tratamentos todos iriam acabar com o dinheiro de vovó. Comecei a ficar preocupada. - Mas ela ficará bem. - ele sorriu.
Eu reconheci aquele sorriso. Era o tipo de sorriso que ele devia dar para a maioria de seus pacientes, quando ele sabia que a situação não melhoraria, mas mesmo assim falava que daria tudo certo, para não fazê-los surtar e entrarem em pânico em plena sala de espera do hospital. Um sorriso falso. Mas eu fui mais esperta que ele - olhei mais atentamente para seus olhos do que para seu sorriso, o que confirmou minha hipótese.
Era como se eu estivesse sendo abraçada pela mentira - mas eu queria estar sendo abraçada por Harry.
Olhei para Jim, que logo olhou para mim também, e abracei-o, quase chorando, depois que o médico foi embora pela mesma porta pela qual entrou.
Meu coração estava batendo tão forte que eu mal conseguia ouvir meus próprios pensamentos - assim como quando meus pais morreram, assim como quando vovô morreu, assim como quando eu recebi a notícia da morte de Harry, como quando eu estava naquele cemitério com meu vestido preto e a maquiagem borrada, como quando minha avó estava tendo um ataque hoje de manhã, como quando eu abraçava Jim enquanto tremia naquele hospital.
Assim como eu abraçava Harry enquanto ele ainda estava vivo.
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Dear Harry
RomanceCamila demora para superar a verdadeira e forte amizade que tinha com Harry - os dois conversavam pelo celular diariamente, além de serem melhores amigos na escola -, e com sua morte ela fica com uma espécie de trauma, ainda escrevendo (em um "diári...