10 - Desespero

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Kira

Eu olhei para Shion deitado de bruços na cama num sono extremamente profundo. Eu tentava, mas parecia que minha alma e meu corpo estavam separadas entre si. Depois que o sexo acabava, eu não sentia mais nada. Eu levantei silenciosamente para não acordar o meu amante daquela noite. Não iria dormir na casa dele. Aliás, o último homem com quem amanheci o dia queria me matar e apagar a minha existência da terra.

Vesti as minhas roupas e saí do apartamento de Shion sem nem dar tchau. Entrei no carro e saí sem destino pelas ruas de Seul. Talvez parar em algum bar e beber até esquecer meu nome. A sensação que eu tinha era de um vazio imensurável. Nada era capaz de preencher.

Entrei num bar qualquer, mesas desbotadas, os copos meio embaçados e caminhei até o balcão que havia várias marcas de copos e pedi whisky sem gelo, o mais forte possível. O cheiro de fumaça de cigarro, misturado ao de perfume barato e adocicado de algumas damas que provavelmente ganhavam a vida usando os muitos atributos que tinham. Eu bebia sozinha com todos me olhando como se eu fosse uma aberração. Será que nunca viram uma mulher afogar as mágoas antes?

Eu queria largar todas as minhas convicções e correr até o meu apartamento, pegar meu filho e entrar no primeiro avião com destino a Tóquio e ir atrás do Satoru e dizer: "Hey, meu amor. Este é nosso filho. Me perdoe por tudo que fiz. Eu te amo. Vamos ser uma família." Uma ilusão que chegava a ser doce. Ele nunca me perdoaria. E certamente não reagiria bem em saber que tem um filho. Era só eu me iludindo e criando expectativas.

A expectativa é a mãe da frustração.

Devia ter pensado nisso há dez anos atrás. Ter lido as entrelinhas, ter prevenido. Mas, ficar lamentando o "talvez" e o "e se" só deixava tudo mais triste. Paguei a bebida e saí do bar. Nem isso tinha gosto. Esbarrei numa moça na saída do bar e gentilmente pedi desculpas. Seu rosto me lembrou alguém, mas minha mente estava tão confusa com o álcool que devia estar enganada.

Voltei para casa rapidamente, fui até o quarto de Ren e lhe dei um beijo de boa noite. Ainda fiquei admirando enquanto dormia. Meu filho estava crescendo tão rápido. Afaguei seu cabelinho branco com carinho. Ren havia se tornado a melhor coisa da minha vida. Depois que ele nasceu eu soube o que era viver de verdade, o que era a verdadeira felicidade.

E eu faria tudo por ele. Meu lótus branco.

Deixei o quarto do Ren e depois fui para o meu. Deitei do jeito que estava mesmo. Eu só queria dormir e talvez acordar num momento em que tudo tenha se resolvido.

No dia seguinte, levantei mais tarde sentindo a cabeça um pouco pesada. Olhei ao redor do meu quarto e bati a mão no criado procurando pelo meu celular. Levantei com certa dificuldade e olhei para mim no espelho. A cara da derrota. A roupa amassada, camisa branca sem passar era a coisa mais horrorosa do mundo. A minha cama parecia um ninho, organização nunca foi meu forte, abri o closet e as várias roupas esparramadas nele indicavam bem isso. Eu mantinha ali nele escondido uma foto minha e de Satoru. Não queria que Gyu visse, ele nunca entendeu os sentimentos que eu tinha. O desejo que eu tinha por ele. De sentir ele tocar meu corpo de novo. Será que quando ele tocava em outra mulher pensava em mim como eu pensava nele ao ser tocada por outro homem?

Guardei a foto e fui direto para banheiro, eu sempre me sentia suja depois dessas coisas que eu fazia. Me sentia imunda. Parece que só fazia sentido para mim quando havia amor, no mais era apenas luxuria e banalidade. Tomei um banho e preparei o café. Estava sozinha, Gyu resolveu levar Ren ao cinema. O apartamento era grande e espaçoso, quatro quartos, sala grande, cozinha estilo americano e vidraças que tinham vista de toda a cidade de Seul. Eu sempre ia até a sacada do apartamento contemplar a cidade e apreciar a solidão que parecia não ter fim. Um vazio imensurável.

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