Capítulo 9: o que foi emprestado

25 8 25
                                    

Os dias que se passam em uma rotina inalterada, acabam por se tornar uma lembrança embaçada, onde não se tem certeza de quanto tempo passou. Era isso que Celine passava quando ficava presa em casa devido a piora em sua saúde. Todavia, quando ocorre uma mudança, por menor que seja, logo percebemos, pois a monotonia faz aquilo que é diferente gritar, chamando nossa atenção.

Por isso, quando Celine chegou em casa e abriu os olhos, se viu em um ambiente totalmente diferente de seu quarto. A cor das paredes que eram em tom de madeira crua, agora estavam em tom lilás. Haviam prateleiras penduradas nas paredes com livros que ela sempre quis ler. Uma estante branca, combinando com a cama e o guarda-roupa. Além disso, havia no canto uma mesa com materiais de desenho.

— Oi dorminhoca, tudo bem? — Disse Carine entrando no cômodo.

— Tudo bem... mas onde estou?

— No seu novo quarto!

— Novo quarto?

— É, você sempre falou que queria um quarto dessa cor, com esses livros. Daí, como seu aniversário tá chegando, e você passou um tempo no hospital fora de casa, eu pensei que seria uma boa dar uma inovada. O que você achou? Gostou?

O quarto era muito semelhante ao que a menina sempre quis ter, mas de alguma forma, a felicidade que ela sentia, também a deixava alerta.

— Eu gostei.

— Hum... não disse isso muito animada. — Falou a mãe sentando-se na cama ao lado dela.

Carine afagou a cabeça da menina com o olhar preocupado.

— Eu gostei sim, gostei muito... é só que não parece real ainda.

— Ah, entendi, você acabou de acordar e eu vim te perturbar.

— Não, não está perturbando. É só que... não é nada não. Eu adorei! — Ela sorriu e abraçou a mãe em agradecimento.

As duas ficaram naquele gesto por um tempo, até que Carine resolveu se levantar.

— Bom, que bom que você gostou! Deu um trabalhão sabe. Mas olha, eu mudei seu quarto, e esse daqui é o cômodo que ficava fechado.

— Ah, entendi, é que ficava de frente para meu quarto. — Falou a menina logo notando que a janela ficava do outro lado do cômodo, dando para o fundo da casa do vizinho.

— Isso.

— E o meu quarto antigo?

— Esse vai ficar fechado por enquanto, porque eu vou usar pra outras coisas.

O termo "outras coisas" foi falado bem devagar, como se ela quisesse dar ênfase em algo A menina engoliu seco e sorriu, fazendo gesto de que entendia o que aquilo significava.

— Bom, agora eu tenho que ir trabalhar. E você vai ficar aqui no quarto, tá bom.

— Tá bom. — Respondeu sorrindo.

— Eu vou voltar depois das 18hrs. Seus remédios estão na cômoda.

— Pode deixar mãe, não precisa se preocupar.

E nisso, a mulher saiu do cômodo e trancou a porta. Celine ficou em silêncio tentando ouvir se ela saia de casa, mas seus passos, quando chegaram no andar de baixo, sumiram. Celine desceu da cama e se arrastou até a janela, tentando ver se ela ia para o carro, mas a mulher não saiu da casa.

Sua cadeira de rodas não estava no quarto, e ela não tinha chaves do quarto novo, o que indicava que estava presa ali até sua mãe retornar. No entanto, a mulher nunca saiu de casa. Isso só podia significar uma coisa:

— Ela foi para aquela porta.

No entanto, de repente, os passos retornaram, e Celine se arrastou o mais rápido que pode para a cama. A mulher colocou a chave na porta e a abriu rápido colocando a cabeça para dentro do cômodo.

— Te peguei! — Disse a mulher.

Um estranho sorriso estava na face dela, mas esse sumiu ao ver a filha sentada na cama como se não tivesse se movido um centímetro sequer.

As duas ficaram olhando uma para outra em um silencioso jogo.

— Se esqueceu de algo?

— Não, não, só vim ver se estava tudo bem.

— Ah, sim. Pode deixar a porta aberta quando sair? — Pediu Celine.

— Eu não tinha deixado aberta?

— Não.

— Nossa, que cabeça a minha. Vou deixar sim.

Carine saiu com pressa com uma cara de desapontamento, e deixou a porta aberta. Segundos depois, o som das rodas do carro derrapando na estrada preencheram seus ouvidos. A menina soltou um suspiro parecendo aliviada.

Depois, desceu da cama e saiu para o corredor. A sala de estar da parte de cima, onde ficava a televisão, estava lá, porém, a porta de seu antigo quarto, estava fechada. A menina procurou pela cadeira de rodas, mas não a encontrou em lugar algum, e por isso, resolveu voltar para a cama para ler algum livro. Infelizmente, ao chegar ao quarto, notou que por estar sem a cadeira perto, não conseguia alcançar a prateleira, e nem usar a mesa para escrever.

— Ela me deixou aqui sem poder fazer nada.

As palavras de verdade ecoaram em seu pensamento. Sentou-se na cama entediada por ter nada para fazer, e foi assim que se lembrou de todas as coisas que Lucca havia deixado com ela no hospital. Procurou pelo quarto, debaixo da cama, e nas gavetas mais baixas, mas não encontrou nada.

— Não pode ser?! Ela deu o fim nas coisas do Lucca?

Desesperada pelo que poderia ter acontecido, ela saiu da cama se jogando no chão. Arrastou-se até as escadas, e olhou para os degraus abaixo de si. Sem a cadeira, ela não poderia usar o elevador, por isso, teria que ir degrau por degrau. Mas, temendo que Carine retornasse logo, a garota se impulsionou sem medo, e jogou-se escada abaixo.

A irregularidade dos degraus da casa velha, fez ela bater os membros bem na quina, mas felizmente, depois de descer como um saco de batatas, ela chegou no chão. A dor era menor do que aquelas que ela estava acostumada a sentir, e por isso, Celine se perguntou porque nunca pensou em fazer isso antes.

Logo depois, olhou o cômodo, procurando pela cadeira de rodas, mas não a encontrou em lugar algum. Assim, resolveu ir direto para onde ela pensava que encontraria os pertences de Lucca. Como uma minhoca, ela foi até a porta, que dava para a rua e a abriu. Sua mãe saiu tão fora de si que não havia trancado ela.

Abrir a porta causou um choque de realidade com o frio que vinha de fora. Havia neve por todos os lados, que deixava a paisagem toda branca. Celine colocou a mão na neve sentindo pequenas picadas na pele causadas pelo frio. Para não desistir de sua ideia, ela rapidamente colocou a outra mão, e assim foi se arrastando pelo chão.

Andou alguns passos em direção ao seu destino, a lata de lixo. Esta ficava ao lado da casa, e, com certeza, era o local onde os pertences de Lucca tinham ido parar.

No entanto, o frio começava a deixar seu corpo trêmulo e amortecido. Uma estranha sensação de ser observada veio de suas costas. Ela ficou imóvel na neve, rezando para que aquilo fosse só sua imaginação.

Mas de repente, o som de passos abafados na neve veio em sua direção. Sentiu-se sufocada, não havia para onde fugir.

Boneca de PorcelanaOnde histórias criam vida. Descubra agora