Capítulo 2: O menino estranho

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No dia seguinte, Celine não apareceu na escola, e é claro que as pessoas que eram chamadas de colegas de turma, nem sequer tinham se perguntado o porquê disso. Haviam reparado em sua ausência, mas ninguém questionou o porquê dela, pois ali, todos já tinham formado suas amizades, e seus interesses, não sobrando espaço para uma garota cadeirante.

Naquele dia, que era terça-feira, choveu tanto que os bueiros entupidos da cidade não davam conta de desaguar todo o volume de água que escorria pelo chão. Por isso, formava-se uma pequena cachoeira nos cantos da rua, onde, quem piscasse, molharia todo o pé. Celine observava aquilo da janela de seu quarto, perdida em seus pensamentos.

Olhava as gotas escorrendo pelo vidro, e fazia elas apostarem corridas hipotéticas em sua mente. Não tinha nada para fazer, como sempre e por isso, se dava o luxo de apenas observar as coisas, como as gotas da janela. Estava sentada na cama de seu quarto, que ficava no segundo andar da casa, quando ouviu sua mãe gritar lá de baixo:

— Filha, a mãe tá indo ali no mercado e já volta!

— Tá bom! — Respondeu em tom também alto.

Ela pensou que a mulher tinha ido, mas, de repente, ela apareceu no vão de sua porta, assustando-a sem querer.

— Tem certeza de que não quer ir pra escola? — Perguntou de mansinho.

— Não. — Disse firme.

— Tá bom... eu já volto então.

Finalmente se foi deixando a jovem sozinha na casa. Os passos no chão de madeira que rangiam, e a porta batendo eram o sinal de confirmação. Sem demoras, se levantou, sentou-se na cadeira de rodas que ficava ao lado da cama, e foi para a sala do segundo andar, perto de seu quarto. Lá, uma mesinha com um copo de água, e 5 cápsulas de medicamentos diferentes a esperavam, junto de um bilhete que dizia:

Querida, como você teve crise ontem, precisa tomar esses remédios.

Bjs mamãe.

Celine tomou toda a água do copo, depois pegou os remédios, levou-os até o banheiro, e lá jogou tudo na patente, dando descarga. Assistiu as voltinhas que eles davam antes de sumirem pela encanação, como um sorriso no rosto. Ela não gostava de tomar os remédios porque sempre se sentia pior depois de tomá-los, e por isso, mesmo que fosse contra a vontade de sua mãe, sempre dava um jeito de se livrar deles. Às vezes pensava que isso a fazia se sentir melhor de alguma forma.

Depois, voltou para a sala onde passou o resto do dia assistindo TV, uma coisa que só podia fazer quando Carine estava fora. Bom, na verdade, haviam muitas coisas que ela não podia fazer, e precisava fazer escondido, como assistir TV, comer qualquer tipo de porcaria, falar com seu pai no celular, e desenhar. Já tinha ouvido a razão de não poder fazer aquelas coisas umas mil vezes, mas, ainda assim, as proibições não faziam sentido para ela, o que só a impulsionava a agir de forma escondida.

Não podia ver TV pois faria mal para seus olhos. Não podia comer coisas como sorvete, salgadinho, ou até pão, pois seu corpo não aguentaria o nível de conservantes e de açúcares dessas comidas, levando a uma crise. Não podia falar com seu pai, pois, de acordo com Carine, foi ele que fez sua filha ficar doente. E não podia desenhar porque sua mãe achava melhor não incentivar uma atividade que não leva a futuro algum.

Por conta disso, quando ela saía, é que podia se sentir livre e fazer o que bem entendesse. Desse modo, se jogou no sofá e começou a ver um filme de vampiros bem sangrento, do jeito que ela gostava. Pensava em pedir algo para comer com o dinheiro de sua mesada, mas de forma inesperada, ouviu alguém batendo palmas na frente de sua casa.

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