Unmei no - Suguru Niragi

Nem tudo mudou tanto assim

Yumi Miyazaki

"Deslizo minha destra até os cabelos negros e suavemente acaricio, outrora e hoje o vejo como um garoto frágil, o que definitivamente atualmente ele não é."

Vasculho as estantes de um mercado próximo a residência que estamos abrigados, há poucas coisas saudáveis, na verdade as opções são praticamente nulas, pois os únicos alimentos que consigo enxergar são industrializados, o que me faz lembrar a quanto tempo estamos vivendo nesta distopia. Respiro profundamente, e volto a encarar as prateleiras bagunçadas a minha frente, uma leve culpa domina minha mente, pois ultimamente não presto sequer atenção em minha alimentação e como praticamente por obrigação, pra me manter viva e forte, diferente de quando vim parar aqui. 

Procuro com cuidado por melhores alimentos à minha disposição, pensar só em mim, não é mais uma realidade, e no momento Niragi precisa de cuidados mais intensos, dou um sorriso bobo enquanto balanço a cabeça em negação, meu primeiro amor agora é minha realidade, completamente bagunçada e com um destino um tanto quanto duvidoso, anos de espera e expectativas, para por fim viver dessa forma?!

Solto o ar que segurava sem perceber, enquanto coloco as opções que tenho de alimentos dentro da sacola, com tudo que preciso em mãos, saio do mercado e tomo o rumo de volta para a "casa".

Durante minha breve caminhada observo as ruas completamente vazias, a sensação de estarmos sem saída é imensa, assim como a de que o fim do mundo está próximo, ou ele já chegou e não nos demos conta. Ver a cidade de Tóquio devastada, trás uma angústia enorme em meu peito, sei que há uma esperança de retornarmos, mesmo que ainda supositícia e completamente alusiva a realidade, porém sei que ainda teremos que enfrentar outros desafios para enfim sairmos daqui. Suspiro profundamente, alongando meu pescoço, meus pensamentos divagam nos últimos acontecimentos, acredito que a teoria da coleção de cartas, era de fato uma furada, no entanto se existe uma saída para voltarmos ao nosso mundo "real", deve estar ligada a essas malditas cartas mesmo.

Confesso que estava preocupada demais tentando sobreviver e escapar de tudo, que não sobrava tempo para criar teorias insanas em minha mente, eu apenas traçava estratégias possíveis para alcançar meu objetivo, um erro? Sim, claro que sim, pois eu devia ter sido mais atenta a tudo e principalmente a todas as possibilidades.

Olho para cima e enxergo um dirigível sobrevoando o céu, acoplado a ele uma enorme carta de baralho, solto um riso frouxo, ilusão minha achar que estava sozinha nesse lugar, não há para onde correr e essa calmaria logo acabará e a tempestade vai chegar com toda sua força, repleta de mais e novos jogos insanos nos assombrando com todo terrorismo vivido e completamente e (ironicamente) mórbido.

Sinto o oxigênio entrar em meus pulmões, causando o incômodo da vivacidade, ao mesmo tempo que sentir que corre vida em minhas veias é bom, também acho ruim, temendo o pior, sou confusa, eu sei, sempre fui. Solto o gás carbônico por entre meus lábios, tentando descarregar toda minha frustração, preciso me concentrar no agora e em cuidar de Niragi, é necessário que ele se fortaleça o máximo que puder para podermos sair desse inferno juntos.

Ao retornar para nosso "refúgio", coloco os alimentos em cima da mesa da cozinha e me dirijo ao quarto, Suguru dorme, aparentemente tranquilo, pois suas feições estão relaxadas, contrapondo as de anteriormente que era duras e sôfregas, acredito que os medicamentos tenham surtido efeitos. Que ótimo!

Retorno para a cozinha e esquento um pouco de água para o preparo de uma sopa, meus pensamentos vagam entre a atualidade e o passado, se mesclando continuamente.

Difícil acreditar que tudo seja real, quanto mais eu penso mais parece que estou em uma espécie de purgatório.

"O dia havia amanhecido com uma leve brisa gélida, um sol tímido apontava no horizonte, eram os primeiros dias do outono, tudo parecia fluir de forma suave e depois de anos, me sentia mais forte, mesmo que em breve iria ter uma recaída tremenda, pois o aniversário de falecimento de minha mãe se aproximava, entretanto pensar nisso não me afligia tanto quanto antes.