Sem novas amizades

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— Riki, você está me ouvindo?

Riki foi puxado de seus pensamentos incoerentes e tornou a olhar a tela do computador sobre seu colo, os píxeis construindo o rosto de seu antigo amigo que, agora, se encontrava longe. Foi difícil deixar seu país de origem e seu melhor amigo, embora fosse por um bom motivo: uma proposta de emprego para seu pai na Coreia do Sul.

Não foi complicado se adaptar e não via problema em ser um adolescente incapacitado de se encaixar em qualquer lugar que não fosse seu quarto, com as paredes cobertas de pôsteres de animes e bandas que comprou em um evento geek (alguns, ganhou de brinde em compras de camisetas com o dobro de seu tamanho), que ele e Haku obrigaram Shotaro a ir.

O único problema era a saudade apertando seu peito sem misericórdia, embora ainda mantivesse contato através de mensagens e ligações de voz e vídeo, parecia estranho não encontrá-los todas as sextas-feiras após a escola para encher o carrinho do supermercado com besteiras e ir até a pracinha suja que ameaçava desabar, com o brejo cobrindo boa parte dos brinquedos que rangiam de maneira agonizante.

Era impossível fazer amigos em sua atual escola porque sempre haviam duplas, trios, quartetos e quintetos formados e odiava se sentir um intruso entre pessoas que já se conheciam. Além disso, sentia-se um traidor por fazer com outro alguém, algo que costumava fazer com Haku e Shotaro. Parecia incerto, como se estivesse os substituindo, não podia agir como se fosse rodeado de amigos ou popular, nem de longe, não após passar anos sendo considerado um esquisito pelos seus colegas e desconhecidos que encontrava pelos corredores, geralmente fugindo das aulas de matemática com aquela professora diabólica.

Imergir em músicas e animes numa tentativa de escapar da dura realidade já bastava para que não se sentisse tão solitário, ainda que fosse estranho trocar de roupa com a Asuka de Neon Genesis Evangelion, o Reki de Sk8 The Infinite e o Megumi de Jujutsu Kaisen com os olhares penetrados em sua alma, como se tentassem descobrir seus maiores e mais profundos pecados.

— Desculpa, Haku.

— Shotaro me influenciou a pintar o cabelo de vermelho. — contou brincando com os próprios fios, os enroscando entre os dedos — Ficou bacana, mas ainda bem que você não viu o estado do banheiro!

Era desafiador acompanhar suas palavras sendo disparadas uma atrás da outra e seus gestos ao mesmo tempo, e chegava a ser cômico o quanto ele podia ser expressivo, o que chegou a metê-lo em problemas com Nakamoto Yuta, um garoto do terceiro ano com o corpo coberto de tatuagens e piercings, e era pelo menos duas vezes mais alto que ele.

Só não compreendia o motivo pelo qual ele pensou que seria uma boa ideia se esconder atrás de Riki, na época, um pré-adolescente magrelo que estremecia só de pensar em discussão verbal, se mencionasse agressão física, corria o risco de desmaiar.

— Ficou parecendo uma cena de assassinato, sério! — ele riu, relembrando da tinta espalhada até nas paredes e manchas na pia que não haviam saído até agora.

Queria ter estado lá para ajudar Shotaro a destruir o banheiro de Haku e, certamente, levar uma bronca de sua mãe depois. Uma parte de si se culpava por estar perdendo todas essas experiências, por mais que não tivesse a escolha de ficar sozinho no Japão e não controlasse a decisão de seu pai de aceitar a proposta de emprego na Coreia do Sul, ainda se recordava de ter dito a Shotaro que queria estar presente quando ele começasse a se aventurar um pouco mais com o clássico argumento de que só vivemos uma única vez e devemos criar boas memórias, mesmo que se originem de más decisões.

Não precisava incentivar Haku com esse mesmo papo, porque ele sempre permitia os pensamentos intrusivos vencerem e carregava o título de mais ousado do trio, e Riki secretamente contemplava isso.

com amor, sem dor • sunkiOnde histórias criam vida. Descubra agora