14 - THE COFFIN | O CAIXÃO - 30/11/22

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Era abafado lá dentro. Não que fizesse qualquer diferença, eu estava morta. Respirar não era mais uma necessidade, somente um costume de, bom, sempre. Mas não mais precisava disso.

Ainda assim, apesar de tudo, eu puxara o ar com força. Quase hiperventilei naquele susto, despertando tal qual acontecia depois de qualquer pesadelo aterrador. Olhos arregalados, respiração descompassada e o instinto de sobrevivência batendo.

Luz me pegou de surpresa. Até onde sabia eu deveria estar enterrada. Ao menos era o que o interior macio do caixão indicava. Havia reparado nisso antes de mais nada, tateando enquanto me acostumava com a luminosidade que rapidamente agrediu meus sentidos.

Não, algo ali estava errado. O ar não curto e sons se faziam presente também. Vozes e... música?

Separei os lábios entre uma respiração e outra, ainda acelerada pelo susto e pela adrenalina súbita. Achei que fosse falar, pelo menos era o que tinha em mente, mas não foi o que aconteceu. Um arfar saiu de mim, seguido de um gemido gutural. Nada humano o som, apenas uma fera despertando.

É, fazia sentido. Eu estava morta, afinal. Nunca havia parado pra pensar nisso, mas voltar à vida deveria nos desnudar da nossa humanidade mesmo. Não que soubesse apontar o que era. Zumbi? Vampira? Alguma novidade biológica? Quer dizer, conta como estudo da ciência da vida se nem mais represento algo vivo?

Muitas dúvidas rondavam em minha mente. A maior tratava-se justamente disso, do fato de ter uma ainda. Uma mente, claro. Por que ainda pensava se mais nada humano parecia residir em mim? Todas as outras ações, e reações por consequência, eram ferais, mas aqui estava eu, pensando, refletindo, me torturando.

Seria isso algum castigo divino? Isso é, o divino existia? Se sim, bom, não parecia muito satisfeito comigo. Sinceramente, presa no próprio corpo sem vida e sem controle das próprias ações. Era quase como ser uma boneca. Fazia eu me sentir como a própria Branca de Neve em seu caixão de vidro. Belo e expositivo.

Era isso que eu havia me tornado? Uma peça de exposição curiosa? Talvez. Ainda estava presa, percebia conforme meu corpo se movia, não eu, somente a carne que eu vestia. Ou que me usava, vai saber. Mas era isso. Eu estava presa em mim mesma, uma prisão sem sentido ou qualquer objetivo lógico sequer. Bom, além do meu próprio sofrimento.

Seria cômico, eu acho, se não fosse por toda ironia de estar morta.

Mas era isso, até onde eu sabia, não ter mais vida. Ou talvez controle de mim mesma. Afinal, viver era um estado de espírito ou ter um corpo vivo? Apesar de que, respirava ainda mesmo sem necessidade alguma.

Que agonia era. Que agonia passava. Até que algo em mim estalou. Percebi como os movimentos feitos pareciam somente isso movimentos. Sem minha ajuda, minha vontade, eles pareciam desajeitados.

Estava mesmo num caixão? Sim era isso. Mas algo estava errado. Como já disse, tinha muita luz ali. Eu achava ter sido enterrada, porém essa não parecia minha realidade. Meus olhos se moveram sozinhos, orbes sem vida, desconectados de mim, mas ainda assim servindo de algo. Foi aí que vi então.

A caixa em que estava não era do tipo que esperava. As luzes, um espetáculo. Os sons, aplausos. E os movimentos, não mais meus, nunca mais os seriam, então, percebi, eram ditados por outros. Mãos que se moviam e me guiavam, com cordas e outras parafernalhas. Realmente, tudo fazia sentido agora, meus membros pareciam distintos.

Pelo visto eu havia me tornado uma personagem de ficção mesmo, mas não uma princesa indefesa, somente mais uma boneca. Uma consciente do que acontecia e, infelizmente, sem poder algum em mim. Fadada a observar meu futuro incerto através de olhos vítreos e sem vida.

A morte, agora, não soava como um destino tão ruim no fim das contas.

Mil vezes teria preferido morrer de vez ao invés de ser mantida como um ser sem vontade.

Mil vezes desejei morrer devidamente. E mil vezes ainda o faria.

Quem sabe até lá o mundo inteiro não queimasse e decidisse me levar junto dessa vez?

Um desafio de escrita perdido pelo tempo e espaçoOnde histórias criam vida. Descubra agora