7 - NIGHT IN CHILE | NOITE NO CHILE - (09/11/19)

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Era pra ser uma noite como outra qualquer. Sair de casa, encher a cara, gastar dinheiro que eu certamente não tenho e voltar pra algum lugar, fosse minha casa ou não sempre era um mistério. Não importava, no entanto, contanto que conseguisse um mínimo de sono para poder enfrentar o dia seguinte já era suficiente.

Aquela foi diferente, no entanto. Não sei o que levou até aquele desenrolar confuso de acontecimentos, só sei que aconteceu e era quase como se tivesse sido premeditado. Tudo encaixou com perfeição conforme acontecia, mesmo que numa cadência desordenada e extremamente caótica.

Lembro de pouco do que rolou, ao menos da linearidade das coisas posso me questionar, mas sei dos pontos importantes e por isso me maravilha lembrar daquela fatídica noite.

Eu estava no Chile a trabalho e precisava descansar, mas havia perdido a reserva do hotel programado pela empresa e tive de encontrar outro local. De última hora nada é fácil de ser conseguido, mas deu certo magicamente e um quarto vagou num hotel perto daquele em que eu deveria ter permanecido. Todas as minhas reuniões seriam no restaurante dali, então permanecer nas proximidades havia sido realmente um feito mágico. Nunca fui de acreditar em nada, mas naquela primeira noite agradeci fortemente a qualquer entidade que poderia ter me agraciado.

Daí pra frente estabeleci um ritmo. Ficar no Chile era provisório para resolver meu papel como intermediária nos assuntos da empresa e, sendo uma das poucas pessoas que falava um bom espanhol, logo me escolheram para a missão diplomática. Aceitei de prontidão. Não parecia muito complicado o que eu deveria fazer. Entreter homens tolos nunca era um problema, mesmo sendo em outra língua. Ainda mais levando em conta o fato de que eu poderia aproveitar para conhecer o local sem gastar uma fortuna em passagem e estadia. A empresa pagava tudo e somente o que eu precisava fazer era ter tato pra conversar com aqueles idosos durante o dia e aproveitar o resto da cidade pela noite.

Tudo corria bem, melhor do que bem até, quando a fatídica noite veio.

Começou com uma brisa fresca na noite veranesca, a lua nova escurecendo o céu e deixando tudo mais misterioso. Deveria ter previsto que nada de bom viria dali.

Mas não suspeitei de nada e logo vi o que o destino em uma piada cruel impôs sobre mim. A virada de jogo foi fenomenal e rapidamente eu me vi soterrada pelo meu próprio trabalho.

Por muitas vezes eu havia visto covas do alto, a posição altiva e o olhar duro sempre presentes em meu rosto ao finalizar cada uma das missões davam o toque final pra cena. Mas naquela noite foi a minha vez de entrar na fila do desespero e receber a morte com relutância.

Covas por dentro são frias e de reentrâncias desconfortáveis. A terra úmida contra a pele realmente deixa as coisas em perspectiva diferente. Assim como as camadas de terra sendo jogadas em cima do corpo morto. Corpo esse que dessa vez pertencia a mim.

No fim das contas ser enterrada não foi tão cerimonioso quanto eu esperava, sem caixão, ou público, somente sumi da visão do primeiro cliente que falhei em entreter. Era esse o preço que se pagava, afinal, com um pequeno deslize na minha profissão.

Sem lágrimas ou pesar no enterrar, o que deveria ter sido somente mais uma noite no Chile tornou-se a minha em vida.

Claro que nada disso foi sentido após a morte, nem mesmo o enterrar na cova rasa que cavaram para mim. Mas fica ai a reflexão: noites de lua nova não são as melhores para um funeral. A escuridão certamente esconde muitas coisas de olhos distraídos. Fui mais uma vítima dela, espero que esteja atento para quando a sua vez chegar.

Um desafio de escrita perdido pelo tempo e espaçoOnde histórias criam vida. Descubra agora