Capítulo 4 - Orion

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CAPÍTULO 4 - Orion

Puxo a alça da bolsa para fora do armário, buscando em seu interior a caixinha da pulseira que preciso sempre deixar guardada. Devolvo o embrulho ao lugar, trancando novamente a portinha com pintura nova.

O vestiário está bem vazio essa hora da noite, com os socorristas em campo a um bom tempo. Infelizmente é bem raro eu conseguir cumprir minha pausa sem que o aparelho que trago comigo faça algum barulho de emergência e é só pensar nele que é exatamente o que faz.

Olho para o quadril, onde geralmente ele fica pendurado, sem esperar muito mais. Corro pelos corredores até o estacionamento, encontrando meus parceiros de ambulância preparados.

– Nossa, como são rápidos – Subo no lado do carona rapidamente, recebendo um energético lacrado da motorista.

– Somos a equipe mais eficiente dessa cidade.

Ligo a sirene no painel e verifico com a mulher na parte de trás do veículo se está tudo bem, tomando boa parte da bebida.

– Onde? – pergunto para Maria, que dirige com o semblante fechado e correndo em linha reta tendo pleno acesso com as passagens dos carros ao ouvirem o alarde.

– Um beco, onde aquele restaurante novo inaugurou semana retrasada, sabe? Ruta's, comida italiana, acho.

Rita's, você quer dizer?

Sorrio de lado com a mão abanando que ergue em minha direção.

– É, tanto faz.

Maria é uma mulher uns vinte anos mais velha do que eu, mais experiente e uma enfermeira que decidiu largar os interiores do hospital. Agora, todos os dias nos vemos na frente da mesma ambulância, com apenas um colega novo lá atrás há cada dia. Ficamos amigos depois de um tempo.

Ela é ótima com comidas e pedir conselhos e eu sou ótimo em comer e entregar meus ouvidos para que desabafe tranquila.

– Quem ligou soube informar o estado da pessoa?

– Não, apenas que foi um possível ferimento a facada. Pelo que ela descreveu de forma bem confusa – Ouço Dalila informar pelo espaço que separa a parte frontal do veículo da que está.

Assinto, aguardando nossa chegada ao destino final. O beco em questão é bem movimentado a essa hora na entrada, com pessoas poucas passadas fazendo fila na porta do novo restaurante. Impossível não terem visto nada.

Descemos da ambulância desligando o som, deixando as luzes acesas, e puxo a maleta que necessito para casos como esses. Maria permanece na boca da rua sem saída, evitando que curiosos se aproximem demais.

Dalila abre as portas traseiras do carro, parando ao lado de Maria com a maca dobrável, aguardando meu sinal. Corro em direção ao corpo encolhido no fim do beco, embolado em um vestido cheio de tecidos, semelhante a um de boneca, e tento encontrar o ferimento.

É muito difícil achar o corte. Seu vestido é extremamente escuro e, unido a sua pele mais escura que ele e o cabelo longo preto...

– Puta que pariu, nem para ter uma luz aqui.

Paro de tatear seu torso quando sinto sangue quente e, erguendo a mão, consigo perceber parcialmente que ele também é bem escuro. É como se tudo nela fosse de um único preto, se estendendo além da coloração da pele para as roupas.

Dalila se junta a mim tropeçando no lixo ao redor, trazendo consigo uma das lanternas que sempre temos e eu esqueci de pegar.

– Obrigada, salvou minha pele.

– Deus, ela parece um anjo!

Abro a maior gaze que tenho na maleta com os dentes, usando-a para pressionar a lateral da mulher com força e delicadeza. Ela nem ao menos suspira, mas sei que está viva pelo calmo subir e descer de seu peito.

– Orion, as costas...

Ergo os olhos para onde a luz forte da lanterna é apontada; suas costas possuem duas fendas quase iguais. Como se quem fez isso houvesse meticulosamente rasgado as costas rendadas do vestido e aí sim trabalhado nos cortes. Vejo um ponto destacado entre tanto preto e, olhando bem, acho uma pena cinza, do tamanho do meu mindinho, entre a pele e o restante do vestido.

Pego-a, estranhando o porquê de uma pena estar ali, e guardo de forma cuidadosa no bolso da jaqueta. Pode ser algo que o agressor usava em seu corpo, uma blusa com adereços ou até mesmo uma fantasia.

– Traga a maca, precisamos levá-la rápido. Possivelmente perdeu muito sangue e seus batimentos estão bem fracos...

Acenando, Dalila corre de volta para a maca e conversa com Maria brevemente, que ainda barra os clientes tentando enxergar o que estava acontecendo, já não mais em fila. Pego a mulher nos braços após enfaixar o melhor que consigo suas costas e torço, pondo-a sobre a cama fina e ajudando minha colega a desliza-la até a ambulância.

Já de volta no carona peço que Maria não dê partida quando vejo uma das garçonetes do restaurante voar até minha janela.

– Oi, eu que liguei para vocês! Estava buscando uma lanterna quando chegaram e minha chefe pediu que eu não criasse alarde por causa dos clientes, então fiquei um pouco presa lá dentro – ela balança a luz pequena para mim.

– Pode ficar tranquila, estaremos encaminhando ela para o hospital mais próximo – tento tranquilizar a pequena mulher com um sorriso forçado no rosto, porém ela continua:

– Fui levar o lixo para a caçamba porque um dos meninos estava ocupado e a encontrei do mesmo jeito que vocês, completamente apagada. Tentei fazer ela acordar, mas fiquei com medo de mexer demais e acabar prejudicando a moça – seus olhos vão de mim para os fundos do veículo e Maria liga a sirene para apressar as coisas – Não sei quem possa ter feito isso e as câmeras do lado de fora raramente estão ligadas...

Sinto que ela se encolhe um pouco com a informação, sabendo que se sua chefe souber do que disse pode perder o emprego. Suas bochechas brancas estão vermelhas e aperto sua mão que se apoiava na janela.

– Fique em paz, ajudou a salvar uma vida. Contudo, precisamos mesmo ir agora, senão ela não tem chances, ok? – explico paciente – Pode passar lá amanhã de manhã, no hospital, e ver se ela está bem. Fale que é uma amiga e, caso não haja parentes, eles permitem a entrada. Apenas uma vez, só para ver que a ajudou de verdade. E não diga a ninguém que disse isso.

Maria enfim da partida com uma careta julgadora e observo pelo retrovisor o rosto da mulher se afastando com alívio. E preocupação.

– Tudo certo, Dalila? – pergunto me virando para trás e ela assente, conferindo as ataduras. Que já estão escuras pelo sangue.

Chegamos pouco depois à entrada do hospital e, tirando Maria que permaneceu no banco, corremos para o pronto socorro com a paciente. Os enfermeiros que se encontravam fazendo pequenos curativos ou passando pomadas olhavam atordoados a mulher na maca.

Abaixo de toda luz no espaço sua pele quase brilhava e não apenas pela pigmentação particular e sim por... não sei, ela transmitia alguma energia especial. Como se não tivesse sido criada para andar no mesmo solo que o restante.

De cima consigo ver seus cabelos ondulados caírem pelas laterais da maca, seu vestido sujo, punhos machucados e as bochechas raladas.

Ela lutou.

– Obrigada Orion, cuidamos a partir daqui – um dos profissionais fala, tomando a dianteira da situação, e só então percebo que estive encarando-a todo o tempo.

– Ah, claro, desculpe.

Antes de sair verifico mais uma vez por cima do ombro se ela estava sendo colocada na ala de prioridade, vejo um dos enfermeiros erguer seus olhos para ver se as pupilas estavam reagindo, arquejando logo em seguida de surpresa.

– Os olhos dela são amarelos!

Ergo uma sobrancelha curioso, porém logo meu dispositivo apita indicando mais emergências pela cidade e vou para a ambulância já sendo preparada para sairmos.

Quando a balança pendeOnde histórias criam vida. Descubra agora