Capítulo 3 - Uriel

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CAPÍTULO 3 - Uriel

– Cruzes, Zadkiel, não faça mais isso!

– Você não se assustou que eu sei, pare de drama.

Olho-o de esguelha, esperando que continue o que veio fazer. Caminhamos juntos para a biblioteca vazia, observando as pessoas passando por nós cada uma em seu ritmo e totalmente diferentes umas das outras.

– Como foi?

Ergo uma sobrancelha sem entender sua pergunta, ele jamais perguntou sobre minhas ações e seu decorrer.

– Aconteceu... tudo bem...?

– Foi uma pergunta? Ou uma afirmação?!

Crispo a testa mais confusa ainda.

– Diga, Zadkiel, por que tantas perguntas?

Ele espera as portas duplas se fecharem e os livros nos rodearem, as estantes nos cercarem e uma moça passar pelos corredores pedindo silêncio e verificando se não havia jovens se beijando por entre as páginas para prosseguir.

– Diabretes. Estão subindo cada dia mais.

Interrompo meu dedilhar entre as lombadas dos livros expostos, encarando seu rosto sério. Ele assente devagar, cruzando os braços.

Diabretes são demônios pequenos e horríveis de se olhar, que raramente escapam entre os poucos portões ocultos, e cada vez mais saem quando excedem os anjos responsáveis pelos cuidados dos portais.

Até que ocorre uma caçada conjunta e eles voltam para seu lugar. Normalmente não é um evento que dura muito.

– Tome cuidado. Estarei retornando as minhas tarefas a noite, então continuarei por perto se precisar.

Volto a passar os dedos pelos livros, despreocupada. Dificilmente sou envolvida nesse setor, forças malignas geralmente são cuidadas por outrem.

O anjo sai, me deixando sozinha com o absoluto silêncio em minha mente e uma edição de "Romeu e Julieta". Que eu leio junto de uma menina que nunca vi na vida, por cima de sua cabeça e tentando acompanhar suas viradas de páginas.

Quase no fim do calhamaço e muitas horas depois – horas o bastante para que eu passe a pensar que a jovem não é um ser onisciente também, por permanecer sem um alimento novo em seu corpo e na mesma posição –, uma dor repentina no centro da cabeça quase me dobra os joelhos, tão forte é o chamado.

Pisco diversas vezes, na tentativa de abafar aquela dor. O que funciona, ela se dissipa como se jamais houvesse estado ali e enfim consigo entender o que me é falado:

"Pelo amor de Deus, alguém me ajuda! Por favor, por favor, por favor".

Giro em volta de mim mesma tentando achar o ponto luminescente que me levará onde chamam, encontrando-o em linha reta pelas paredes entre nós.

Não me preocupo em acabar o livro, corro para o sinal, sentindo pela primeira vez o desespero direto de quem chora.

A noite já caiu sobre esse lado do mundo e as ruas estão mais cheias pelo horário; as pessoas saindo de seus trabalhos e escolas enchem as calçadas. Avanço entre os corpos suados, tentando chegar onde devo o mais rápido possível.

Atravessando os carros com agilidade, dobro uma esquina que desemboca em um beco fechado e escuro. Cerro as sobrancelhas ao ver o sinal esmaecendo sem que haja ninguém, me sentindo perdida. Me aprofundo no beco, olhando atrás dos lixos, para as portas laterais dos restaurantes nas duas pontas da rua pequena e... nada.

Quando a balança pendeOnde histórias criam vida. Descubra agora