Capítulo Sete

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Entre mercadores e cidadãos, enfiamo-nos da maneira mais discreta possível, apesar de nossas roupas não colaborem em nada com esta tarefa. Olhares atravessados recaem sobre nós, uns questionando e outros concluindo, mas continuo focado em meu objetivo. A cidade me parece bem, embora ainda não esteja cem por cento reconstruída, a cada avenida, observo pelo menos uma edificação destruída, ou alguma cratera ainda não tapada. E isso explica perfeitamente a razão de existir tanta gente fazendo comércio na rua, parece mais seguro que as infraestruturas, e mais conveniente. Alex caminha ao meu lado, quase grudada, e de tempos em tempos pisa no meu pé sem querer, algo que vem me deixando irado. Ao mesmo tempo, sei que não posso fazer nada além de protestar em silêncio. Então, para castigá-la, me recuso a segurar sua mão, por mais que insista, assim como faz nesse exato momento, através de uma cutucada na cintura.

Apenas a encaro da cabeça aos pés e continuo quieto. Seu olhar tenso me comunica que seria mais confortável se tivesse o apoio emocional na forma de contato físico. Apesar disso, nego, afastando a mão, fingindo coçar a nuca.

– Bobão cabeçudo – escuto o seu resmungo.

Reviro os olhos. Embora parte de mim ainda queira ser legal, sei que não devo. Sinceramente, não acho que foi uma boa ideia tirá-la daquele lugar, pois sua vida miserável não será melhor me acompanhando nessa jornada sangrenta que planejo.

Pelas informações que consegui conversando com algumas pessoas logo quando adentramos escondidos a cidade, aqui, até há alguns meses não passava de um lugar pacato. Entretanto, a movimentação vem aumentando devido ao distrito vizinho, St. George, que rapidamente se tornou um importante centro logístico para que a extra-humanidade combata a resistência, que ganha mais força a cada dia. Em outras palavras, estamos indo para o que sem dúvidas será um grande alvo dos rebeldes. Porém, de acordo com os documentos que possuo, é lá que existe outra base, que pode ou não ter um Zedar. A parte boa é que estamos relativamente descansados, ontem acabei pegando no sono, minutos depois de Alex. Por sorte, nada aconteceu, e hoje de manhã nos alimentamos das últimas latas de comida.

As vozes na minha cabeça vão e voltam, de forma amena, mesmo que ainda incômodas. Elas fazem a enxaqueca piorar, tirando a minha concentração. De tempos em tempos tenho que parar e respirar um pouco, aplicando esforços para ignorá-las. Ainda estou surpreso que tenha conseguido lutar nessas condições. A única pessoa que consigo pensar é Natalie. Se as vozes são um sinal de evolução, talvez eu consiga me comunicar mais uma vez.

Aproximamo-nos da única estrada, ainda em perfeitas condições. Carros trafegam devagar, fazendo o desvio das pessoas do outro lado, que por sua vez, arrastam para a parte de trás de um caminhão velho o que aparenta ser um cadáver. Outras limpam o sangue da calçada com esfregões e baldes, ou retiram escombros, tudo com a supervisão de pouco mais de meia dúzia de soldados da extra-humanidade. As marcas de grilhões nos pulsos dos trabalhadores deixam claro suas origens.

– O que aconteceu aqui? – Alex questiona mais para si do que para mim. É quase como uma tentativa de negar o óbvio.

– Os humanos foram humanos – respondo com a voz arrastada, e fazendo um aceno com a cabeça para a direção do som incessante da artilharia ao longe. – É sempre assim, não importa o planeta.

– Parece que uma coisa explodiu ali, olhe.

Observo o que ela comenta, e a cena é de arrepiar. Mais à frente, uma pilha de corpos – não inteiros – são retirados, um a um. Homens embalam o que sobrou dos defuntos em lençóis. Membro superiores e inferiores, crânios, tripas, ossos, carne, é um amontoado quase indistinguível. O cheiro pútrido que se manifesta é angustiante. Nem os homens mais brutos conseguem suportar, pessoas choram horrorizadas, outras nem conseguem fixar o olhar. Vejo uma senhora colocar as mãos nos olhos e dar meia volta correndo. Aproveitamos do caos instaurado para continuarmos o caminho.

Império dos Três: Capítulo FinalOnde histórias criam vida. Descubra agora