Capítulo Dez

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O rosto distorcido de algum desconhecido, vindo de cima, é tudo que preenche minha visão enquanto pensamentos derradeiros, ainda focados em Amy, me atormentam. Não sei dizer se o que vivi foi real. Perceber que ela não está aqui por minha culpa me deixa ainda mais abalado. Tudo poderia ter sido diferente se naquele dia tivéssemos ficado em casa, ou mesmo levado-a à força para passear. A urgência do momento não me permite pensar mais, afinal, quem é esse cara? Enquanto a terra treme, me ergo com um pulo mal dado. As vozes na cabeça pararam, embora tenham deixado a enxaqueca como resquício.

O cenário à frente é bastante desolador, onde Alex flutua no ar, ajudando os combatentes a se proteger do tiroteio, usando de seus poderes telecinéticos como uma barreira também. Crateras foram formadas, veículos tombados, pequenas vegetações queimando, a cor cinza prevalece no ambiente. Centenas de soldados de ambos os lados se digladiam, alguns deitados para uma melhor posição, outros já mortos. Tanto os escombros como as edificações ainda de pé, distribuídas pelo terreno, servem para cobertura. Empurro o homem esfarrapado que tenta entrar na minha frente para falar comigo, e corro para a linha de frente. Mesmo com a cabeça explodindo, pulo por cima do capô de um carro destruído, o cantar das metralhadoras me enerva. As saraivadas ricocheteadas por Alex confundem meus sentidos. Soldados nos telhados, de ambos os lados, me fazem abaixar a cabeça. Ao levantar o olhar, observo algo que ainda não havia notado: um ferimento aberto no braço esquerdo de Alex. É o mesmo braço erguido que treme.

É uma criança se sacrificando para vencer uma humanidade hostil, que além de abusar de seu corpo, utilizou sua mente como um mero experimento. Meu sangue ferve. Mesmo sabendo que ela de fato não é Zedar, sei que devo honrar ao menos o seu esforço em me proteger quando estava fraco. Entro em estado de alerta quando observo com o canto do olho um franco-atirador inimigo surgir, paralelo à criança. Ele se posiciona rapidamente para efetuar o tiro. Uso a minha manipulação de ar de forma desesperada, condensando as brisas para forjarem um fraco escudo, que desvia, no último instante, o projétil da cabeça de Alex.

Aperto os punhos com força, concentrando toda a fúria neles, enquanto ventos fortes são confeccionados e canalizados para todo o meu corpo, com foco maior nos braços e pernas, como se fossem armaduras. Avanço rápido, alcançando o atirador no prédio de dois andares com um salto. Seus olhos pulam numa mistura de surpresa e temor. Antes que possa reagir de outra forma, encaixo um soco perfeito no meio de seu nariz, e o resultado é um homem voando para longe.

Com o barulho do impacto, as atenções de ambos os lados se voltam para mim, e quando isso acontece, é muito tarde, suas visões lentas não conseguem acompanhar minha agilidade sobre-humana, algo que todos os Zedar já têm naturalmente.

Para minha própria surpresa, a leveza com a qual me projeto pelo perímetro é surreal, quase como se estivesse flutuando ao invés de correndo, mais um fruto da evolução das habilidades. Entre um impulso e outro, agarro um, estrangulando seu pescoço. O seu grito é lentamente sufocado conforme as artérias se espremem dentro de seu pescoço, cedendo à enorme força que aplico. Catarro, saliva e sangue se mesclam em um fluido tosco, ao passo em que os olhos crescem, lutando para buscar ar. A pele muda a coloração de forma sutil. As mãos balançam desesperadas, batendo em meu peito, mas não são páreos para minha fúria. As minhas palmas se tocam, tendo no meio o que sobrou de seu pescoço. É nesse instante que o seu sofrimento acaba. Largo aquele homem com o pescoço amassado e encaro minhas próprias mãos sujas. Restos mortais remanescentes a impregnam.

O tempo para quando tiros percorrem em minha direção, e com isso volto a agir: aplico um soco no outro – agora congelado – que estava se aproximando. Acerto seu estômago e depois seu rosto é deformado pelos meus golpes, mesmo estagnado. Ziguezagueio por toda a formação humana abatendo os soldados, os meus punhos são acompanhados por um rastro voluptuoso pálido, um sinal da velocidade com que eles trabalham. O barulho dos golpes não são audíveis, porém sensoriais no ambiente, as gotículas de sangue se espalham como um chafariz cristalizado pelos grilhões do tempo em cada corpo atingido, crânios são rachados, órgãos ofendidos, ossos despedaçados.

Império dos Três: Capítulo FinalOnde histórias criam vida. Descubra agora