Treinos coletivos

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Eu diria que aquilo demorou para acontecer, mas na verdade não acho que demorou.

Não fomos convocados para o refeitório ou auditório, nem sequer um pequeno comunicado oficial foi feito.

Eu mesma não saberia se meus pais não tivessem me dito, porque apesar de querer me manter fora daquilo, me queriam segura. Fiquei contente por eles não me excluírem da forma que achei que fariam.

E agora, sendo uma ótima amiga, ou tentando, juntei todo mundo na nossa pequena sala para os informativos do começo da tarde.

Nathan foi o último a entrar, fechando a porta atrás de suas costas. Se apoiou ali e cruzou os braços, assentindo, indicando que eu podia falar.

— Quatro humanos foram presos hoje de manhã pela corte — os olhares confusos que recebi refletiam o mesmo olhar que eu dei quando minha mãe me ligou, dez minutos atrás.

— Humanos, presos pela corte?

Suspirei coçando as sobrancelhas.

— Eram humanos até pouco tempo pelo menos — os olhares ficaram ainda mais atentos — quem deu o veneno a eles não foi muito cuidadoso em falar que o uso dos poderes na frente dos humanos era proibido. Um colorido e três transformistas estavam se exibindo e acabaram machucando algumas pessoas.

Jack colocou a mão na testa, exausto.

— Não é coincidência, e enfim, não pretendo esconder nenhuma informação de vocês.

— Eles continuam a envenenar humanos? — Kate perguntou, apreensiva.

Ergui os ombros. Não sabia o quão recente os poderes daqueles quatro eram.

— E o novo diretor maluco, nada — não sei se Abby havia ouvido isso na minha cabeça, ou se tinha chegado a essa conclusão sozinha.

— Ele está envolvido, claramente está, e isso não é novidade pra ninguém — ergui os ombros, buscando os olhos de Charlie.

— Se uma merda daquelas acontecer de volta… — Sarah começou a dizer — quero poder fazer algo.

Franzi o cenho.

— Posso treinar, com vocês?

— Se ela puder, eu também quero — Kate disse rápido.

Todo mundo começou a se manifestar positivamente também. Charlie me olhou e eu respondi deixando a decisão com ele.

— Não estamos podendo usar armas, seria só um treino físico — ele disse mais alto que as conversas, chamando a atenção de todos para ele.

— É melhor que nada, né? — Nathan deu um pequeno sorriso.

Charlie passou a mão pelo rosto.

— Cinco e meia na entrada do bosque — ele disse — estejam lá manhã e Emily mostra o caminho do ringue para vocês.

Assenti.

— Preciso arrumar roupas — ele riu consigo mesmo e eu sorri — vou atrás disso e… de mais uma coisa — se despediu me dando um beijo na testa e sumiu pela porta.

— Ringue? — Kate perguntou e eu dei um pequeno sorriso.

— Vão ver amanhã

***

Charlie ficou sumido o resto da tarde, e no jantar, apareceu com sacolinhas com nomes escritos em caneta.

— Aqui — ele foi passando para todos, e quando Kate abriu, sorri ao ver a roupa preta que eu estava acostumada — os coturnos vou ficar devendo até semana que vem, então se tiveram um coturno confortável, usem, se não, vão de tênis ou uma bota, sem salto, pelo amor de deus — ele olhou para as meninas e segurei minha risada.

— Nossa — Sarah olhou a roupa — obrigada, mesmo.

Ele deu um sorrisinho, constrangido.

— E consegui um segundo professor, pra rendermos melhor — disse rápido e depois sumiu de volta para pegar sua comida.

Eu tinha meu palpite de quem seria esse professor, mas queria ver a reação de Sarah com a surpresa, então me mantive em silêncio.

Durante aquele dia, nada a respeito da prisão dos humanos/coloridos/transformistas foi divulgado, e o diretor Pearson parecia plenamente tranquilo como se absolutamente nada tivesse acontecido.

Duvidava muito que algo aconteceria dentro da escola com ele na diretoria, não devia estar nos planos da rebelião repetir o procedimento do ano anterior, e isso sinceramente me deixava com mais medo.

Os sequestros estavam acontecendo para testes do veneno, então se não precisavam mais fazer testes significava que eles tinham conseguido as respostas que queriam.

Era questão de tempo até alguma merda ainda pior acontecer, e eu não fazer ideia de qual seria o próximo passo deles me deixava maluca.

Charlie voltou com sua comida e sentou ao meu lado, como sempre, comendo com uma mão enquanto acariciava e apertava minha perna com a outra.

Abracei a cintura de Charlie e cheguei perto do seu ouvido.

— É o nosso encrenqueiro?

Não precisei explicar para ele entender, e seu sorrisinho dizia que eu havia suspeitado certo.

— Ele vai ficar com os meninos, eu cuido de vocês — ele piscou para mim.

Era uma escolha sábia, porque se Nick falasse do jeito que falou comigo com Kate, de deus uma: I- um enxame de abelhas ia voar em cima dele; II - ela iria sair chorando.

— Como não são corredores, vamos ter que adaptar tudo para receber a força e velocidade de vocês, além do fato de todos precisarem de treinamentos mais específicos para suas dificuldades e habilidades pessoais. Eu consigo fazer isso sozinho com minha turma, porque tenho bastante tempo todos os dias, com vocês não daria tão certo — ele deu de ombros — acha que fiz mal?

— Não — ele assentiu aliviado, espetando sua salada — quais são minhas dificuldades e habilidades pessoais? — perguntei curiosa enquanto ele mastigava sua salada.

Charlie sorriu, tomando um gole de seu suco antes de voltar seus olhos para os meus.

— Seu maior ponto forte é a agilidade — ele disse sério — sua maior fraqueza a força, mas… — ele mordeu o lábio inferior — tá ficando definida — sussurrou — e ainda mais gostosa do que o costume, o que achei que era impossível.

Senti minhas bochechas avermelharem e voltei o foco para minha comida. Diga-se de passagem, uma calça minha simplesmente não passou pelas minhas coxas ontem de manhã, e tudo bem que eu não usava fazia uns três meses, mas mesmo assim, isso significava que eu realmente estava ficando mais forte.

— Vai me deixar com um tanquinho igual o seu? — perguntei, baixinho.

— Posso deixar, mas eu gosto muito da sua barriga lisinha — sua mão subiu da minha coxa, passando por baixo da minha blusa para apertar a pele da minha barriga — é boa de lamber.

Sorri, torcendo para a conversa de todos estar interessante o suficiente para não prestarem atenção na gente.

— Deixamos o tanquinho só com você então, porque eu também gosto de lamber.

(Sem) Medo - IIOnde histórias criam vida. Descubra agora