Disposição

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Se a intenção do senhor Perason era desestabilizar todo mundo, precisava dar os parabéns pessoalmente, porque ele realmente tinha um dom.

Eu queria poder passar o dia todo treinando meu "voo", mas como não podia, só me restava as aulas para treinar. E, sinceramente, três horas por dia era ridiculamente pouco para ter resultados plausíveis.

Charlie estava lidando com sua turma de calouros, que basicamente não conseguiam evoluir descentemente pela restrição nos treinos físicos, e isso estava deixando meu garotinho um pouco estressado.

Por outro lado, nossos treinos de manhã estavam indo muito bem, e juro que Jack parecia menos magrinho.

E teria sido um almoço normal, se Charlie não tivesse entrado agitado no refeitório.

— Tenho informações — ele disse, antes que alguém pudesse perguntar — a corte descobriu onde a Nancy estava, e organizaram uma operação para invadir o lugar, mas infelizmente chegaram depois que ela foi embora. E bem, ela conseguiu sair, mas não dar fim em tudo que tinha lá, e parece que tinha bastante coisa.

— Como você descobre essas coisas? — Jack perguntou confuso.

— Os guardas da corte — ele me olhou e deu um sorrisinho — compartilhamos informações importantes, mas enfim — ele batucou na mesa — o negócio está andando, é um bom sinal.

— Já passou da hora de andar né — respirei fundo, mas dei um sorriso aliviado — sabe o que foi encontrado?

— Muita coisa escrita, mas não tiveram acesso total — segurou minha cintura e eu assenti — tudo tem sido mantido em sigilo até para os guardas, então acho que temos que esperar, de qualquer forma.

Na mesma intensidade que fiquei feliz, fiquei decepcionada. Era sempre um quase, não era possível que Nancy sempre estivesse um passo a frente.

Na verdade, tanto era possível que estava acontecendo.

Me distrai com Jack exibindo seu braço para Abby que o olhava numa mistura de divertimento e tédio, e só voltei meus olhos para Charlie quando ele segurou minha perna por baixo da mesa.

— Dorme comigo hoje?

Assenti, apesar de já ter dormido com ele noite passada. Sabia que tudo relacionado a Nancy o deixava com medo por mim, e se passar a noite com ele o deixava mais tranquilo, óbvio que faria.

— Obrigado.

Sorri.

— Não é exatamente um esforço dormir com você, sabe? — ele sorriu também — na verdade, às vezes até cansa um pouco, mas não por motivos ruins.

Ele sorriu abertamente e eu sorri também ao ver que consegui fazê-lo esquecer a preocupação por pelo menos um tempinho.

*    *    *

Consegui a primeira levitação descente naquela aula. Manter as pernas e braços levemente abertos era mais fácil, e depois que comecei a parar de tentar ir com as pernas juntas e os braços totalmente abertos, o negócio deu certo.

Olhei o terreno da escola por cima, observando os dormitórios, o bosque e a gaiola, fiquei tão entretida, que quando Ava gritou, quase cai de susto.

— Maravilha, agora desce daí!

Cai alguns centímetros recuperando o equilíbrio, e o olhei para Ava descendo aos pouco até tocar no chão, estranhando a sensação, como geralmente acontecia depois de sair do ar.

— Bem melhor — deu um aceno com a cabeça — quando ficar segura o suficiente, tente subir e descer rápido, e por último, se movimentar para os lados.

Assenti, realmente contente por estar conseguindo algo que dias atrás quebrou meu ombro.

— Sabia que conseguiria, era só uma questão de tempo.

Quando ela saiu, sentei na grama para tomar um pouco e água, e olhei em volta observando a evolução das outras meninas.

As coloridas da água sempre me encantaram, mas olhar para elas agora me lembrava Nancy e o quanto ela era habilidosa, e como eu morria de medo disso no meu íntimo.

Quando a aula acabou, fui para o dormitório passando pela gaiola vazia e suspirei. Ver aquela estrutura de metal sem ninguém, em plena tarde de um dia de semana, era anormal, errado.

Maldito Pearson.

Subi para o quarto bocejando no caminho, ficando surpresa ao abrir a porta e ver Nick sentado na poltrona de Kate.

— O que faz aqui? — franzi o cenho, fechando a porta atrás de mim.

— Oi pra você também, princesinha da corte — ele deu um sorriso sarcástico e eu ergui as sobrancelhas — preciso falar com o Nathan.

Sorri.

— Acho que vai ter mais sucesso no dormitório dele, não no meu.

— Eu discordo, já que ele sempre está com Kate — ele deu de ombros.

— E como entrou?

— Eu abri a porta — Sarah apareceu, com os cabelos presos em um coque e uma blusa de lã tão comprida que parecia um vestido — mas se soubesse que era você, não teria nem me levantado.

Nick sorriu para ela, mas não da mesma forma que sorria para mim, e tive que me conter para não sorrir também.

— E afinal, o que precisa falar com o Nate? — ela perguntou, ignorado completamente o sorrisinho dele.

— Ele me pediu para montar um treino paralelo — ele deu de ombros — para fazer depois da aula ou coisa assim.

Assenti, me sentando na minha poltrona.

— E falando em aula, você não deveria estar na sua?

— Olha, deveria — ele deu de ombros — mas decidi não ir hoje.

Quis rir.

— Decidiu não ir?

— Uhum — disse, despreocupado, analisando o cinto de seu colete rapidamente — não estou me adaptando muito bem ao meu novo treinador.

— Saudades do Charlie? — Sarah perguntou zombando dele, mas Nick olhou para o chão.

— Sim, na verdade, sim — ele a olhou — não sabe a sorte que tem por ser treinada por ele.

Sorri e estendi o braço, tocando o ombro dele.

— Também sente sua falta, garotinho encrenqueiro.

Ele piscou pra mim e a porta do quarto abriu, revelando Kate e Nathan.

— Vou roubá-lo uma meia hora — Nick disse a Kate antes de levantar e sumir com Nathan pelo corredor.

— Ok, à vontade — Kate disse, mesmo que ele não pudesse ouvir — sobre o que estavam falando?

— Nada demais — Sarah deu de ombros — Nathan quer mais treinos então?

— Ah, pois é — ela sentou na sua poltrona, anteriormente ocupada por Nick — ele tem se sentido bem, fisicamente, mais disposto e essas coisas — ela deu de ombros — queria algo que pudesse fazer sozinho antes do jantar.

— Eu me sinto mais disposta também, mas não tenho vontade de fazer mais do que já fazemos — Sarah deu um sorriso.

— Nossa, eu não vejo diferença — Kate riu — gosto de ir, ver uma evolução e tudo mais, mas não sinto grandes diferenças.

— Eu demorei um pouco para começar a gostar — disse — eu fazia mais por obrigação e medo do que por achar legal. Na verdade, eu ficava cansada e com dor em tudo, e quase todo dia Charlie conseguia tirar minha paciência.

As duas riram.

— E agora estão ai, sendo fofos — Kate deu um sorriso amolecendo na poltrona — a vida é engraçada.

Notei os olhos de Sarah se perderem por um momento, mas ela disfarçou bem o suficiente para não chamar a atenção de Kate.

— Vou dormir com ele de volta, por sinal — cortei o silêncio — as movimentações da Nancy deixam ele meio ansioso, e sei lá, parece que se eu ficar sozinha vai dar ruim de volta.

— Te perdemos por alguns dias, ele não quer arriscar te perder de volta — Sarah disse séria — ele só ficou "calmo" porque sabia onde estava e sabia que seus pais estavam por perto, mas Abby disse que ouvia ele planejar sair quebrando tudo para te tirar de lá — ela e Kate se olharam — até eu me sinto mais tranquila quando fica com ele.

Sorri e cruzei as pernas em cima da poltrona.

— Também te amo, Sarah.

Ela revirou os olhos com um sorriso.

— E Abby? — olhou para Kate que sorria bobinha com nossa demonstração de afeto.

— Jack estava esperando ela — ela disse, como se fosse óbvio, e era — aparece no jantar.

— Até lá, querem jogar um truco? — Sarah perguntou, tirando um baralho da blusa de lã.

— Não sei jogar, mas se me ensinar, acabo com você — sorri pra ela.

— Abusada! — Sarah riu tirando as cartas — sabe, Kate?

— Claro! — ela disse empolgada, ajeitando a postura — venho de uma família de humanos, garota, ninguém ganha de mim nisso.

(Sem) Medo - IIOnde histórias criam vida. Descubra agora