Madden

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A cinco anos...



Largo os pincéis no copo ao lado.
Mal consigo fazer um esboço, minha cabeça está cheia e não consigo me expressar.
Meus desenhos sempre me ajudaram nessa parte, colocar para fora aquilo que não está funcionando, aquilo que quero dizer é não digo, aquilo que eu sinto.
Mas não está funcionando.
A tela em branco me encara de volta, rindo de mim.
Talvez tudo aquilo que eu tenha nessa vida seja isso... uma tela vazia. Não tem espaço nesse mundo.

Faz duas semanas que Octávia está me evitando, desde a festa, ela consegue provocar o pior em mim.
Sempre fomos tão próximos, nem sempre doeu tanto assim. Nós nos entendíamos, estávamos sempre juntos, ela era alegre, forte, corajosa. E não tinha algo no mundo que a fizesse não dizer o que pensa.
Eu a admirava, eu queria ser assim.
Até que ela foi crescendo...
Nem sempre a desejei, éramos amigos, e isso bastava para mim por um tempo, até no dia que ela veio ficar comigo para Damon acompanhar a Winter em uma apresentação fora da cidade. Mas isso era normal, sempre ficávamos juntos, mas aquela noite...

"Vamos assistir algo de terror, não me vem com histórias de guerra"
Tavi já está com controle na mão, está sentada na ponta do sofá, com uma calça de moletom cinza e uma blusa enorme, provavelmente deve ser do Damon.
"Você escolhe."
Não estava mesmo no clima de ver algo, tinham me chamado para uma festa hoje, mas não podia deixar Tavi sozinha, mesmo com Jett aqui, não seria a mesma coisa.
"Se quiser sair pode ir Madden,eu posso ficar com a sua irmã"
Ela falou já pegando o celular, está digitando para Jett? Mas quando o canto da boca sobe minimamente, sei que não é ela.
" está falando com quem? "
A pergunta sai da minha boca, antes de eu me dar conta.
Do que me importa?
"É um menino da minha escola, está me ajudando em algumas materiais"
Aposto que está.
" Mas a essa hora? Não está meio tarde? "
É para de digitar e me olha por cima do celular. Pensando se me conta ou não. Mas que droga tá rolando aqui.
" Ele quer me beijar"
Acho que meu silêncio confirma o choque. Sei como o coração funciona, mas o meu deve funcionar diferente porque ele deve ter diminuído alguns centímetros, ele se aperta. Não é uma sensação boa.
" como você sabe disso? Ele te pediu? Forçou algo?"
A risada que ela solta faz meu coração diminuir mais uns milímetros.
" claro que não Madden, estávamos conversando e falei que nunca beijei ninguém, e ele se ofereceu para ser o primeiro, ainda não sei se aceito. Talvez ele nem queira mais"
    É só olhar para ela, que é óbvio que ele quer, ela deve ser a menina mais bonita e com personalidade daquele colégio. Até meus colegas de sala olham para ela.
     Ela continua com a voz mais baixa.
"Talvez aceite, só queria fazer logo para saber como é e ninguém mais me encher a paciência"
"Eu posso te mostra"
     Ela me olha com os olhos arregalados que eu engulo em seco. Merda.
"Lógico, que vai ser mais prático, você confia em mim, e assim ninguém se aproveita de você"
     Ela abre a boca e solta o ar aos poucos... fecha os olhos com força. E levanta.
     Anda até minha poltrona, bem devagar. Senta no meu colo e fala.
" Se rir de mim, eu mato você"

Apoio as mãos na cintura dela, e sinto meu coração até agora diminuído, pular no peito. Essa sensação...
"Eu nunca faria isso com você, você sabe que pode...."
    E ela encosta com tudo os lábios nos meus, um beijo gasto firme, sinto meus lábios pinicarem, e a aperto um pouco mais na cintura, sabendo que não posso a beijar como queria, ainda não.
     Ela se afasta de mim lentamente, os olhos cravados nos meus.. e sinto. Tem algo aqui, algo que não é amizade, nem familiaridade, algo maior. Algo capaz de acabar comigo só de pensar...
   Ela se levanta num salto, e começa a rir.
"Viu nem foi tão difícil assim,achei melhor ir rápido, igual arrancar um curativo. Vem vamos ver o filme"
     Eu não sou muito bom com sentimentos, mal sinto eles direito para saber distinguir mas com toda certeza, esse aperto bom, e a vontade de repetir o que acabou de acontecer não vai passar.
    Levanto e falo quando começo a passar por ela.
"Vou sair, vou chamar a Jett para ficar com você"

   Parece que foi ontem que ela sentou no meu colo e ficou me olhando com aquele olhos enormes.
E a duas semanas quando beijei seu pescoço... foi o mais longe que eu já fui a muito tempo.
   Estávamos tão perto,as conversas depois daquela noite foram ficando mais distantes, ao mesmo tempo que nada mudou, tudo em mim mudou.
   Conversar com ela, ver como ela mudou, cresceu e está me fazendo meu peito doer.
   Para alguém que nunca sentiu nada, desejar alguém que não pode ter, é uma penitência em vida.
   Não basta eu não poder conviver normalmente com meus primos, ou colegas... eu preciso desejar a única coisa que não posso, e ela ser a única cura que eu preciso.

  Olho para tela e fecho os olhos por alguns segundo.. vejo os olhos pretos, brilhando para mim, vejo o lábio carnudo, e vejo algumas sardas leves na pele clara intocada... os cabelo caindo no rosto, o sorriso sacana de quem pode te levar para o inferno em um estralar de dedos.

Abro os olhos.

Pego o pincel no copo, tinta preta e começo.
  E é como se o desenho já estivesse ali, cada traço que coloco, cada risco firme e preciso.
  Lembro do que meu psiquiatra da infância falava em cada sessão que eu me recusava a conversar.
" fala não é a única forma de comunicação, você pode mostrar o que deseja, de outras formas, com escritas, músicas, danças e arte. Você não vai precisar pensar, porque tudo que você sente... vai transbordar de você, como se já estivesse pronto para sair"

Terminando o os lábio inferior carnudo, penso que a arte pode ser a única forma que ela vai ser minha.

A blood sinOnde histórias criam vida. Descubra agora