𝙲𝙰𝙿Í𝚃𝚄𝙻𝙾 𝟶𝟹

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  Acordo quase dando um pulo para fora do sofá, meu coração disparado, enquanto puxo a maior quantidade de ar que pude pela boca, sentindo meus pulmões se encherem novamente como um folego de vida. Olho ao redor e me deparo com Alice me cima de mim me dando um tapa no rosto, expressando um semblante preocupado.

  — Sua vaca, achei que tinha morrido! Faça isso novamente e eu mesma a mato.

  Alice, minha colega de quarto, melhor amiga e única amiga até então. Sempre fui introvertida e focada no trabalho, estudos, mas somente Alice que ficou na minha vida e ajudou-me a ser mais "sociável" já que a maior parte do meu tempo passei na igreja, com o padre Mordred, mas ele também não era do tipo festeiro.
Ela era a melhor pessoa que eu conheci. Minha alma gêmea, não de maneira romântica, mas como irmã que nunca tive.

    — O que aconteceu? Estou morrendo de sede...

  Me levanto atordoada, afastando meus cabelos úmidos do rosto. Meu corpo coberto de suor e marcas da posição a qual me deitei. Caminho em direção a cozinha e pego um copo d'agua gelado.

    — Não me diz que você não se lembra que dia é hoje?

  Meus olhos acendem em alerta e se direcionam a Alice.

    — Do que você esta falando? — Pergunto preocupada por não saber do que se tratava.

    — A sua audiência para o seu primeiro caso de homicídio. VOCÊ SE ESQUECEU? — Alice diz incrédula.

    — QUANTO TEMPO EU DORMI? — Pergunto em desespero e confusa, enquanto começava a suar frio. Larguei o copo na pia e olhei para o relógio na parede. 10 horas da manhã. Corri, subindo as escadas indo em direção ao meu quarto, enquanto escuto ela falando alto comigo, para eu escutá-la de longe.

    — Você parecia tão cansada dormindo no sofá, ontem após o culto de manhã, que fiquei com pena, então preferi não te acordar.

  Nem ao menos me lembro de me deitar no sofá. A única coisa de que me recordo é daquele maldito homem no meu sonho, ou melhor, pesadelo. Acho que eu deveria fazer algumas preces antes de sair de casa novamente, ou quem sabe, até eu me putificar novamente.

  Tomei um banho rápido, sem tempo para preces agora e vesti meu tailleur cinza claro, com um par scarpin bege nos pés. Passei um perfume com suaves notas de coco adocicado, uma fina camada de gloss sabor morango nos lábios e rímel nos olhos. Certamente não preciso de mais do que isso,  para ficar apresentável o suficiente pro júri.



[ ... ]



    — "Acho que precisamos dar um tempo. Não acho que você seja o problema, de maneira alguma. Isso foi culpa minha e eu sei disso. Espero que você seja feliz sem mim. Eu te amei e sempre amarei. Te espero em outra vida, meu amor." Você acredita que esse doido mandou isso para mim por mensagem? E a gente ficou só uma vez. — Disse Alice, rindo da situação que acabara de passar, com um idiota que ela conheceu em uma das festas loucas de sempre. Típico dela.

    — Um completo babaca. Você deveria parar de frequentar baladas, para conhecer alguém. Se quer mesmo que te levem a sério, você precisa parar de procurar pessoas nos lugares errados. Como por exemplo, onde a mulher é desvalorizada e vista como um objeto de usufruto alheio. — Reviro os olhos, sabendo que isso deveria ser óbvio para qualquer mulher. Mas claro, como amiga meu trabalho é ajudar, mesmo que às vezes seja difícil.

    — Errada você não está, mas mesmo assim... você me conhece, eu não perderia uma saideira por nada neste mundo. — Ela brinca descontraída, enquanto olho no relógio o horário marcado com seriedade.

    — Preciso ir embora, a audiência é daqui 1 hora e ainda tenho que revisar a papelada. — Estava sentindo o cansaço tomar meu corpo, dormi pessimamente e ainda teria que revisar os documentos.

    — Ok, então... gostaria de uma carona, daqui do restaurante até la? — Ela sugere vendo que eu não aguentaria andar nem um quarteirão completo com esse salto alto num calor de 27 graus.

    — Com certeza, sim! — Me levanto e vou até a caixa registradora, onde se encontra uma atendente, com um sorriso simpático no rosto. 

  Enquanto caminhava, meus olhos cruzaram com um olhar familiar. Olhos negros como escuridão, aqueles mesmos olhos que vi em meu sonho. Só de lembrar me causa arrepios. Minhas lembranças sobre a feição do homem no sonho já haviam desaparecido parcialmente, mas aqueles malditos olhos ainda fuzilavam meus pensamentos. Em um piscar de olhos, ele havia desaparecido na multidão. Mas talvez... seja coisa da minha cabeça e eu não devesse dar tanta importância, para algo que nem ao menos se assemelha a realidade. Seria impossível um demônio me querer, definitivamente o máximo que ele conseguiria é um fora.

  Cheguei até a atendente e paguei a conta do restaurante. Logo após, me direcionei ate o carro para que pudéssemos finalmente chegar até meu trabalho.



[ ... ]



  Eu gostava de pensar que as pessoas poderiam ser salvas. Bem, não todas, mas em sua grande maioria. Não era errado pensar que haviam casos que realmente a vitima era o culpado e vice-versa. Para mim, o mal me fascinava de certa forma, gostava de aprender sobre ele, entender como ele era e diferenciar ele do bem. Mas me aliar a ele? Bem... acho que estaria fora de questão.

    — Considerando que meu cliente não foi encontrado, a faca da cena do crime continha tanto o DNA do suposto agressor, quanto o dele. Incluindo o fato de que, no laudo médico foram encontrados resíduos da vítima no casaco do agressor, que supostamente estava usando aquela noite, visto que fora flagrado por uma câmera, na rua Palm as 8 horas da noite, no mesmo dia em que meu cliente desapareceu. Eu reforço minha tese sobre o senhor Gomez ser o culpado, pelo desaparecimento. — Sentei-me novamente a cadeira e comecei a rezar internamente para que a juíza e o júri aceitassem meus pontos.

  Esperamos por cerca de 1 hora pela avaliação do júri. Após este longo tempo a juíza retoma a sua cadeira, para que pudesse finalmente dar o veredito.

    — Após uma longa tomada de importantíssima decisão, do nosso júri. O voto por nós impostos foram de 80%, para a acusação de que o senhor Gomes é culpado. Isto posto, e considerando a vontade soberana do Tribunal Popular do Júri, declaro, por sentença, a procedência parcial da pretensão punitiva estatal, para o fim de condenar o réu Maciel Ramirez Gomes, devidamente qualificado nos autos, como incurso na pena do artigo 121. A pena em abstrato para o delito no art. 121, do Código Penal é de 20 anos de reclusão.

  Eu pensava que ao escutar aquela sentença, finalmente me sentiria aliviada e pronta para seguir com o próximo caso, entretanto, por algum motivo, não era assim que eu me sentia. Remorso e tristeza vieram de modo brutal em minha mente. E se eu estivesse errada quanto ao julgamento? E se o homem realmente não fosse culpado? E se tivessem armado para ele e alguém pior estivesse por trás disso tudo? Muitas provas apontavam ao veredito, porém, algumas ainda apontavam para ao contraditório.

  Enquanto levavam o senhor Gomes já algemado, tudo que passava pela minha cabeça era culpa e alivio. Uma mistura dessas emoções distintas, mas com direções diferentes. Me senti aliviada por tudo isso ter acabado e finalmente ter conseguido defender, meu primeiro caso contra um homicídio, mas em contradição... eu me senti culpada por colocar um homem na prisão.

  Estendi as mangas e cruzei meus braços para trás, com seriedade nos olhos, enquanto seguia o protocolo.

  De maneira inesperada e abrupta, o tabuleiro virou de cabeça para baixo fazendo com que todas as peças da dessa partida, se dispersassem no chão em contradição de ambos os lados. Um terceiro caminho surgiu. Quando ele abre a porta, finalmente vimos algo que mudaria até mesmo a opinião do júri.

  Meu cliente apareceu.



𝓒𝓱𝓸𝓸𝓼𝓮 𝓶𝓮 𝓯𝓸𝓻𝓮𝓿𝓮𝓻, 𝓓𝓪𝓻𝓵𝓲𝓷𝓰Onde histórias criam vida. Descubra agora