Ellen Sandler I

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Após um banho rápido, cometi o erro de encarar o meu reflexo e, pela primeira vez, ele me apavorou. O olho inchado pelo murro de Dolph se destacava em meu rosto e me lembrava da vida que me esperava. Eu vou matar Alberth. Como alguém pode enganar o outro assim, sabendo da minha situação? Eu não posso viver presa a essa casa.

Essa seria minha vida agora. Minha alma não queria esquecer desse detalhe. Não poderia fugir dali, com medo de que as ameaças de Dolph se tornassem verdadeiras e ele conseguisse uma forma de fazer Milena e Cassandra trabalharem aqui. Seria minha única forma de ajudá-las, de ser útil. Não tenho escolha.

Queria que minha mente conseguisse racionalizar isso sem que as lágrimas tomassem conta do meu ser e que meus pensamentos não se descontrolassem, prendendo-me num espiral de culpa e arrependimento por me encontrar nessa situação.

Batidas na porta do banheiro comunitário me fazem retornar à realidade.
- Vai demorar muito aí, Cinderela? - Uma das meninas me grita do lado de fora.
O incômodo apelido me faz querer chorar ainda mais. Na segunda noite aqui, tive um sonho onde Jorge me salvava, e quando acordei, me vi cercada pelas meninas com quem dividia o quarto. Comecei a chorar e contei o que havia acontecido e algumas meninas começaram a debochar de mim, falando que eu achava ser uma princesa à espera de um príncipe encantado.

As meninas já estavam se arrumando para a noite, o que, graças a Deus, não era minha rotina ainda. O soco que eu havia ganhado de Dolph havia deixado meu olho roxo, e por essa razão, Juan, o dono do bordel, mandou que eu esperasse meu olho desinchar para que eu me juntasse às outras garotas na noite.

A porta do quarto é aberta sem se importar se algumas de nós estávamos despida ou não, revelando o meu pior pesadelo. Dolph entra com pisadas firmes e uma cara de poucos amigos.
- Que paraíso. - Diz com uma voz sínica.
- Tem algum recado? - Uma mulher loira pergunta, sem se sentir intimidada, enquanto maquiava outra jovem.
- Alguns. - Diz, encarando-me. - Primeiro, é que teremos uma reunião importante sobre alguns investidores do festival, e logo depois eles virão para cá. Espero que vocês os tratem muito bem, combinado.
Como se tivéssemos escolha, penso cabisbaixa.
- Tudo bem. - Assenti à loira.
- Quanto a você... - Ele diz, vindo em minha direção. Meu coração acelera, e meu corpo parece me transportar para ao momento em que aquele homem me violou, no momento em que perdi minha liberdade, no momento em que percebi que havia morrido para o mundo.

- Esse olho melhorou? - Ele pergunta, pegando no meu rosto perto do machucado que ele havia causado, enquanto eu estava paralisada com um ódio absurdo.

- Ainda não. - Diz Angel, uma mulher negra que conheci na casa de Mackenzie, o pai da Lara. - Na próxima vez não bate na cara dela, gênio.

- Na próxima vez vai ser na sua. - Ele diz, ainda me encarando.

- Você não é maluco a esse ponto. - Ela diz, sem pudor.

- Será que não? - Ele diz, com um sorriso sádico, finalmente se voltando para ela. - Não ficou sabendo da novidade, Jorge foi pro Brasil, ou seja, ele está morto. Adivinha quem vai tomar o lugar dele?

- Vicente não vai colocar você como sócio, aqui nunca. - Diz Angel, impaciente.

- Só porque você chupa o pau dele não quer dizer que sabe o que passa na cabeça dele. - Ele diz, sarcástico. A garota dá um sorriso que deixa claro que estava tentando evitar expor sua verdadeira opinião.

Dolph volta sua atenção para mim e, com a gentileza de um cavalo, diz:
- Essa é a nova puta que fará parte do nosso negócio, coloquem ela à pá de tudo, por favor. Vivian, apresenta a mansão para ela.

- Tá bom. - Diz a loira que realizava uma maquiagem em uma das meninas.

- Você já deu o cu? - A pergunta me deixa ainda mais constrangida. - Responde. - Ele diz rude.

Balancei a cabeça negativamente, tentando não encará-lo.

- Ótimo. - Ele diz, pegando no meu queixo e me forçando a encará-lo. - Eu vou tirar o seu cabaço de madrugada. Preparem ela para mim, por favor. - Ele diz, se sentindo um garanhão, o que me deixa arrepiada.

Dolph sai do quarto e, junto com ele, toda a minha resistência, as lágrimas presas em meus olhos desabam.

- Não começa de novo, Cinderela. - Diz uma das meninas, impaciente.

- Deixa ela em paz. - Diz Vivian, se levantando e se juntando até mim. - Vem, Cinderela, deixa eu te apresentar a nossa casa. - Ela pega na minha mão e me guia para fora do quarto.

Vivian me apresenta a mansão, mostrando os quartos, os alojamentos dos seguranças, a cozinha e os banheiros. Quando ela estava apresentando o último andar, ela me faz uma pergunta que provavelmente todas as garotas tinham curiosidade.

- O que houve com você de verdade? - Ela pergunta, nitidamente preocupada.

- Difícil de explicar. - Digo, reprimindo o meu ódio contra mim mesmo.

- Por isso a pergunta, você não devia estar aqui.

- Devia sim, já passou da hora de eu entender que eu não posso ser feliz, não nessa cidade.

- Essa autopiedade não vai te levar a lugar nenhum.

- Jorge está no Brasil e junto com ele foi minha liberdade.

- Deixa eu adivinhar, era amante dele?

- Ele me enganou. - Digo, não querendo mostrar o quanto isso me machucava.

- Não foi a primeira, e não será a última, você só foi um efeito colateral.

- Você sabe o que aconteceu?

- Eu estava com Jorge a umas semanas atrás e, bem, eu vi ele comemorando alguma coisa que viu no comunicador; ele estava aprontando algo grande.

- Tem alguma ideia?

- Não, mas imagino que ele tenha mexido com gente muito importante, e o único motivo de ele ter fugido para o Brasil.

- Acho que foi contra Albert William, sabe se os dois tinham alguma rixa?

- Os dois se davam bem, acredito que foi alguma coisa com a Samantha.

- Albert me enganou, e ele me ofereceu um emprego, e acabei aqui.

- Ele foi criativo. - Diz Vivian sorrindo. - Você não é daqui, né?

- Sou, mas fiquei uns anos longe.

- Tá explicado. E o seguinte, a uns dois meses atrás, Albert fugiu daqui com Rachel, uma das nossas, e voltou com ela sendo uma mulher livre e casada com ele. A partir daí ele ficou devendo cinco garotas para o Juan, você foi a última a chegar.

- Então era isso. - Digo, novamente querendo chorar. - Não passo de um pagamento.

- Pare de chorar, menina. - Diz Vivian. - Aceita a sua realidade e quando tiver uma chance, faça a diferença.

- Tem algum jeitinho de fugir daqui?

- Claro que tem, seduza um ricaço e ele te tira daqui.

- Eu nunca pensei que fosse... Vocês duas estão aí. - Diz Dolph nervoso. - Os planos mudaram, prepare a Ellen para hoje à noite.

Uma angústia no peito invade de forma agressiva.

- Com um olho desse jeito. - Diz Vivian.

- Teve uma encomenda de doze mil por duas horas com ela. Ninguém nunca pagou isso para você, pagou? - Ele diz debochando, e a fazendo revirar os olhos. - Deixa ela pronta para as 10 da noite, combinado? - Ele diz a encarando.

Dolph se aproxima de mim e alisa meu rosto com sua mão asquerosa.

- Guarda um pouco pra mim, Cinderela. - Ele diz com seu olhar debochado.

Dessa vez não senti vontade de chorar, apenas desejei matá-lo, e será isso que farei. Vou matar Dolph essa noite, mesmo que isso me custe tudo.

amor não me mate -volume IIOnde histórias criam vida. Descubra agora