- Damian, o Homem Elétrico. -

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Encarei o rapaz, arregalando os olhos levemente em uma expressão que não combinava nada com um "mago poderoso e temido por todos." Estava em dúvida sobre ter ouvido direito ou não, e pelo semblante de Damian, eu pude ter certeza de que era exatamente aquele tipo de reação que ele estava esperando ver.

- Espere...O que? - Perguntei, a fim de ter certeza que não havia escutado errado

- Seu discípulo. - Repetiu Damian - Quero que me aceite como seu discípulo e me ensine tudo o que sabe sobre magia! - Finalizou ele, aparentando ter total confiança naquilo que dizia.

De fato, eu não havia escutado errado. Suspirei. O que aquele rapaz queria, afinal?

- Olha, garoto...Aprender magia não é como aprender a andar de bicicleta, requer anos de treinamento, não é algo que se aprende da noite para o dia. - Virei-me no assento do banquinho de madeira, voltando a ficar de frente para o balcão ao reparar em uma tigela de tamanho mediano deixada sobre sua superfície. Dentro da tigela, continha o que me parecia ser um ensopado comum, a única diferença estava em sua textura gelatinosa. Dei uma colherada generosa e em seguida, continuei:

- Pessoas que nascem sem dom algum para magia, são praticamente impossíveis de serem treinadas, afinal, essas pessoas não têm nenhum tipo de "poder oculto" que precisa ser desperto. São poucos os escolhidos que recebem este dom, rapaz. - Fiz uma pausa antes de continuar - É normal que magos, bruxas ou elfos nasçam com uma magia oculta que ainda precisa ser desperta. Entretanto, pessoas que nascem sem dom algum e ainda assim acabam despertando algum tipo de magia, são casos raros. - Suspirei. - Muitas vezes, essas pessoas não são aceitas em seus povoados por não possuírem uma classe própria. - Finalizei minha fala com outra colherada naquela gelatina de sabor estranhamente viciante.

Pelo canto de meu olho, observei Damian repousar seus cotovelos sobre o balcão e apoiar seu queixo sobre as palmas das mãos. Alguns longos segundos de silêncio, até o rapaz pronunciar-se:

- Eu reconheço os riscos e sei que aperfeiçoar a magia é algo complexo, por isso eu desejo que me ensine da forma certa como fazer! - Ele sorriu. Seus olhos azuis como safira refletindo a luz vinda de dentro do estabelecimento. - Além disso, eu também possuo um certo dom para magia! Quero dizer...Não é algo tão grandioso como o poder de um mago, mas ainda é magia!

Me engasguei com a comida, tossindo algumas vezes, até voltar meu olhar novamente para o rapaz, o qual continha um sorriso confiante em seus lábios.

- Você o quê?! Como...Como você...- Eu o encarava, incrédulo. Sequer conseguia formular uma pergunta descente no estado de choque em que eu me encontrava. Suspirei, afim de me recompor, em seguida, continuei - Você...É uma dessas exceções, não é? Você conseguiu despertar sua magia mesmo sem ter uma classe definida.

Damian riu brevemente, voltando a ter aquele sorriso radiante e repleto de confiança.

- Está certo, eu não possuo linhagem de magos, entretanto, eu simplesmente consegui despertar minha magia em uma situação de perigo! Você tinha que ver, eu assustei todos os lobos de uma só vez, tenho certeza de que eles jamais cruzarão caminho comigo novamente!

Notava a empolgação em seu tom de voz. Como alguém poderia ficar tão animado em descobrir que possui magia de uma forma tão repentina? Eu imagino que a grande maioria iria optar por esconder essa magia ou sentiria medo, mas pelo visto, Damian não era assim.

Abri minha maleta, retirando um saquinho com dinheiro o suficiente para pagar pela refeição. Levantei-me do banco de madeira e olhei para Damian em seguida.

- Venha comigo, preciso conhecer um pouco mais deste lugar antes de partir. Além disso, eu quero que me explique melhor sobre como conseguiu despertar sua magia.

Pude reparar no brilho em seu olhar, o qual havia ganhado mais força, como se a ideia de falar durante todo o caminho realmente o deixasse cada vez mais animado.

- Deixa comigo. - Disse Damian, levantando-se do banco e dando leves tapinhas sobre meu ombro direito. - Eu serei o seu guia, contarei a minha história e em troca, você irá me aceitar como o seu discípulo. De acordo...?

- Castel. - Respondi ao perceber que eu ainda não havia me apresentado - Eu me chamo Castel.

-...Bom, Castel, temos um acordo?

Cocei a nuca, dando de ombros e esboçando um sorriso mínimo ao rapaz.

- Certo, temos um acordo. - Confirmei, recebendo um sorriso gentil de Damian como resposta.

Segui o rapaz no momento em que este começou a andar, sendo guiado em direção a uma trilha feita de pedrinhas que refletiam a luz da lua. Permiti que Damian fosse na frente para que este pudesse me mostrar o caminho. Por longos minutos, permanecemos em silêncio, até que o rapaz finalmente quebrou esse silêncio ao começar a falar:

-Tudo começou quando eu estava saindo para minha jornada como explorador...Eu também carregava um objeto cortante, assim como você. Uma adaga passada de geração para geração em minha família, meu bisavô costumava dizer que aquela adaga traria boa sorte para aquele que a carregasse consigo em sua jornada. - Reparei em seu sorriso mínimo no canto de seus lábios, entretanto, aquele sorriso era diferente, quase como se Damian se forçasse a manter-se sorrindo, quando estava claramente desconfortável em recordar o passado.

- Damian...- O interrompi, tocando em seu ombro levemente. Não tinha intenção alguma em fazer com que o rapaz tivesse lembranças ruins do passado, eu compreendia a dor de viver remoendo o passado por anos e sofrendo às custas disso.

- Estou bem...- Ele respondeu, respirando fundo antes de dar continuidade à sua história - Certa noite, ao cruzar a floresta, eu encontrei uma senhora. Essa senhora morava sozinha em um pequeno vilarejo abandonado, na saída de Izotzah. Naquela noite, uma matilha de lobos estava prestes a atacá-la...- Ele fez uma pausa, balançando sua cabeça negativamente - Eu sequer gosto de pensar no que poderia ter acontecido caso eu não tivesse chegado a tempo...

O silêncio tomou conta do lugar. Bati no braço de Damian levemente com meu cotovelo.

- Você foi um herói, cara! Anime-se! - Falei com confiança em minha voz, notando que, aos poucos, Damian erguia sua cabeça, já contendo um sorriso animado novamente. Era aquele sorriso que eu queria ver estampado em seu rosto. Era aquele sorriso que combinava bem mais consigo.

- Talvez você tenha razão, eu consegui salvá-la naquela noite...Eu estava sozinho em meio aos lobos, tendo minha adaga como a única forma de defesa. - Ele gesticulava à medida que falava, algo que tornava a forma como Damian se expressava, ainda mais interessante. - Um dos lobos avançou em minha direção, ele conseguiu provocar um ferimento profundo em minha panturrilha, mas ainda assim, eu consegui me defender. Mesmo após ter cravado a adaga em sua barriga, ele não morreu, apenas correu para a floresta, uivando de dor...- Damian me encarou com seu olhar repleto de excitação, me fazendo crer que agora estávamos chegando na parte principal daquela história. - Eu estava ferido e ainda restavam alguns lobos no vilarejo, mas de repente, quando um dos lobos estava prestes a me atacar com tudo o que tinha...POW! Uma luz tomou conta do lugar, todos os lobos foram jogados para longe com uma forte corrente de eletricidade! - Damian finalizou sua fala, juntando as duas mãos fechadas e em seguida, abrindo as mesmas, com o leve som de "puff" escapando por seus lábios. Uma explosão, hein?

Aquilo era impressionante, um rapaz como Damian possuía, de fato, algum tipo de poder. Sorri, levando minha mão ao topo da cabeça de Damian, onde baguncei seus fios.

- Certo, certo. Homem Elétrico, você me convenceu. E como combinado, darei à você a honra de ser meu discípulo. - Falei.

- Verdade?! - Perguntou Damian. Eu não precisava encará-lo diretamente para ter certeza de que aquele enorme e radiante sorriso estava predominante em sua expressão.

- Sim, é verdade. Mas não fique tão animadinho, o treinamento é rigoroso e irá exigir muito de você. - Disse com certa seriedade, como se fosse possível que algo viesse a tirar aquela animação do rapaz.

- Farei o meu melhor, prometo que não irei decepcioná-lo, Castel!

A animação de Damian chegava a ser algo contagiante. Sorri, e juntos seguimos andando lado a lado pela trilha de pedras.

Não, eu não sou um vilão.Onde histórias criam vida. Descubra agora