- Sentimentos que fortalecem. -

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A conversa com Elliot havia me custado longos minutos, minutos que pareciam não passar nunca, algo que, de certa forma, não me preocupava. Afinal, Elliot sabia bem como fazer suas explicações e se empolgava bastante enquanto falava. Agora, todos estavam de volta ao quarto, apreciando o sabor da sopa feita por Kyra e Damian - Elliot já havia repetido três vezes, o que realmente me impressionou. Como alguém tão pequeno poderia ter tanto apetite?

Durante o nosso jantar, eu havia questionado Damian sobre os lobos que nos seguiram.

Eu tinha muitos motivos para estar curioso sobre como o rapaz havia conseguido escapar sozinho.

- Eu não escapei sozinho - Ele me dissera - Consegui fazer com que minha magia acabasse...Você sabe, explodindo mais uma vez. - Damian deixou sua tigela vazia sobre a mesinha de centro. - De repente, eu senti como se todas as forças do meu corpo estivessem se esvaindo lentamente.

Não me impressionava o fato de Damian ter ficado sem forças, o que realmente me impressionou foi pensar que o mesmo teve a capacidade de liberar magia em grande quantidade, mesmo com tão pouco tempo de treinamento.

- Isso apenas aconteceu devido a quantidade de energia gasta, Damian. Mesmo que suas intenções fossem boas naquele momento, usar tanta magia de uma só vez, é algo cansativo até mesmo para um mago! - Suspirei. Embora eu estivesse preocupado, não culparia Damian. - Bem...Por falar nisso, iremos dar continuidade aos treinamentos novamente amanhã.

Minha última fala fez com que um brilho surgisse nos olhos de Damian. Eu realmente chegava a ficar surpreso sobre como o rapaz aparentava estar sempre pronto para tudo, até mesmo diante de um aviso repentino sobre o treinamento. Eu admirava sua confiança.

• • •

Exceto pelo fato de Elliot não perder uma única oportunidade de me dizer o quão forte ele era, e que claramente me venceria em um combate direto (uma afirmação que não poderia ser negada com confiança por mim, pelo menos não no estado em que eu me encontrava hoje) Nosso jantar havia sido tranquilo.

O vento que entrava pelas janelas sacudia o fino tecido das cortinas, exalando o cheiro de lavanda pelo quarto, um ambiente agradável.

Elliot havia finalmente desistido de lutar contra o sono, mesmo após tentar resistir e insistir na ideia de que não estava cansado, o garoto agora dormia plenamente com a cabeça deitada sobre o colo de Kyra. Olhando por aquela perspectiva, Elliot parecia apenas um garoto comum, uma criança dormindo cansada após gastar tantas energias durante um dia.

Damian também havia adormecido, estava com metade do corpo deitado sobre o pequeno sofá no canto do quarto. Apenas com exceção de seu braço direito e sua perna direita, os quais escapavam do sofá por falta de espaço - eu sempre achei que todos os quartos deveriam ter sofás, talvez um pouco maiores que aqueles.

Kyra e eu éramos os únicos acordados naquela noite. A garota ainda cantarolava a mesma canção que fizera Elliot pegar no sono mais rapidamente, embora tal canção aparentasse não surtir o mesmo efeito em mim. Meus olhos estavam voltados à janela do quarto, observando a paisagem ao lado de fora, mesmo que não houvesse muito o que admirar àquele horário, quando o reino estava quieto e silencioso, exceto pelo barulho do vento soprando e batendo nas folhas das árvores.

-...Não foi culpa sua. - Ouvi o tom de voz calmo de Kyra me retirando de meus pensamentos vazios.

- Como? - Perguntei

- Eu disse que não foi culpa sua, senhor Castel...- Repetiu ela, mantendo seu olhar voltado para Elliot enquanto acariciava os fios do garoto. - Eu peço perdão pela minha inconveniência, mas...Bem, eu acabei ouvindo sua conversa com Damian hoje cedo...- ela suspirou - Eu não acho que a culpa foi sua, como você mesmo disse, você era inexperiente na época...

Engoli em seco e rapidamente desviei o olhar. Kyra havia escutado mesmo a minha conversa com Damian, ou melhor, ela havia mesmo reparado em meu desconforto antes de sair.

- Ah...isso. - suspirei - Não se preocupe com isso, Kyra. É passado...O que importa agora é que eu vou conseguir recuperar minha magia e...

- Senhor Castel...- Ela me interrompeu, algo que acabou me surpreendendo, de certa forma. Entretanto, a mesma não levantou seu tom de voz - Eu não posso ter a ignorância de dizer que o entendo, mas de que adianta tentar fugir do passado? O passado não deve ser ignorado ou esquecido, por outro lado, você não deve se prender a ele em hipótese alguma. - as palavras de Kyra soavam como uma melodia, uma melodia calma e singela, como se a garota pudesse se conectar às minhas memórias ou até mesmo como se me recebesse em um abraço reconfortante.

Como se dissesse que tudo iria passar ou que estava tudo bem, algo em que eu não poderia acreditar. Ela continuou - Você não deve pensar no quanto a experiência foi dolorosa, mas sim, no quanto essa dor serviu para que você se tornasse mais forte, senhor Castel. Ainda assim, não aja como se você fosse algum tipo de super herói. Ficar assustado, sentir medo diante de uma situação ruim ou até mesmo chorar não o tornam mais fraco, o tornam mais humano. - Kyra finalizou sua fala, voltando seu olhar para mim com um sorriso pequeno predominando em sua expressão facial - Eu espero que pense nisso, senhor Castel. E entenda que não há vergonha em demonstrar sentimentos como estes, está tudo bem.

"Está tudo bem" ela disse.

Naquele momento, eu pude perceber que não era uma ignorância, como a garota dissera ser. Kyra realmente entendia de sentimentos. Eu me pergunto qual situação a tornou mais forte, afinal, a garota parecia entender tão bem, a ponto de me fezer sentir como se compartilhássemos os mesmos sentimentos, sentimentos que fortalecem.

Por outro lado, pensar nisso me deixava perturbado: seria possível que Kyra tivesse enfrentado uma situação tão ruim quanto a minha. Ou pior, seria possível que ela estivesse enfrentando uma situação ruim?

Eu gostaria de agradecê-la, ou pelo menos, era isso que eu estava tentando fazer. Ao abrir a boca a fim de formular alguma palavra, senti lágrimas quentes tocarem a minha bochecha, deslizando como pingos de chuva.

Meus sentimentos gritavam mais alto, todas as dores e pesos carregados por mim haviam finalmente sido libertos. E por mais pequeno que isso aparente ser para muitos, para mim, foi como uma pequena conquista ou uma vitória. Pois dessa vez, eu não tive medo de chorar.

Não, eu não sou um vilão.Onde histórias criam vida. Descubra agora