4. T R Ê S • R E I N O S

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De início, apenas Yannah tomava aulas no galpão abandonado

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De início, apenas Yannah tomava aulas no galpão abandonado. Com o tempo, porém, outras se juntaram a ela. No total, seis alunas empenhadas e estudiosas aprendiam a ler.

No momento eu comandava duas turmas. A primeira, e maior, se reunia após o almoço para ouvir histórias. Esse grupo era composto por meninos e meninas que não tinham nenhum interesse em alfabetização. Só queriam ouvir as histórias e aventuras que eu conheci através dos livros. Teilon participava sempre que podia, pois apesar de saber ler e gostar de histórias, não tinha paciência para a leitura.

No fim da tarde chegavam as garotas interessadas em aprender a ler. Yannah, já bem adiantada, me ajudava com elas.

Eu temia que os adultos descobrissem as aulas clandestinas. Não fazia ideia da punição que me dariam por essa transgressão, mas se eu fosse pega, seria castigada com rigidez, afinal meninas não tinham permissão para aprender, muito menos ensinar. Era de conhecimento geral que mulheres instruídas ficavam arrogantes e acabavam por menosprezar suas responsabilidades, como o marido, a casa e os filhos. No entanto, independente do que pudesse me acontecer, eu tinha orgulho por ser aquela que ajudaria as garotas das montanhas, tão má afamadas, a abandonar a completa ignorância. Me envaidecia saber que eu era a responsável por isso.

A essa altura eu já completara quatorze anos e meu cabelo começava a ganhar ares femininos. Já atingia um comprimento que permitia acomodar os fios atrás da orelha e até podiam ser presos com algum esforço. É bem verdade que viviam escondidos por uma touca azul tricotada por vovó, mas me enchia de satisfação saber que cresciam.

Nesse momento eu penteava orgulhosamente os fios recém-lavados, em frente ao caco de espelho que vovó pendurou no quarto.

Os banhos na cabana eram circunstanciais e esporádicos. Precisávamos esquentar água no fogão à lenha, depois despejar na bacia de lata. Nos lavávamos ali mesmo, na cozinha.

Vovó, geralmente, ficava de guarda na porta para que ninguém espiasse, mas era um trabalho inútil. As paredes da cabana eram feitas de tábuas e havia quase dois centímetros de espaço entre algumas delas. De todo o modo, a nudez não era (e nem podia ser) um tabu na família Darquim. Privacidade era um luxo do qual não desfrutávamos. Na verdade, não dispúnhamos de luxo algum.

Esse seria o grande dia da comemoração do tratado de paz. Graças a esse acordo, que eu não entendia muito bem como funcionava, Maliffer não participava de guerras há mais de vinte anos. Essa festividade acontecia anualmente. Os governantes de territórios vizinhos, junto com a família real de Maliffer, faziam uma passeata, um desfile, por alguns locais do país. Tratava-se de uma renovação desse acordo, assegurando que uma nação não se levantaria contra outra. Dessa vez a cidade de Iutul entrou no itinerário.

Eu mal podia conter minha ansiedade. Nunca antes estivera tão perto dos membros da realeza. Nunca os vira pessoalmente. Nem mesmo a vovó, na altura dos seus sessenta e dois anos, tivera tamanho privilégio. E pela graça da Sacerdotisa Mãe o clima se estabilizara, o frio e as chuvas deram uma trégua.

Em Algum Lugar nas MontanhasOnde histórias criam vida. Descubra agora